sábado, 23 de outubro de 2010

Reforçadores arbitrários e reforçadores naturais.

O tema, antigo, foi levantado logo no início dos trabalhos de aplicação da análise do comportamento, nos tempos da Modificação do Comportamento (anos 50 e 60), muitas vezes com extrapolação direta de técnicas de controle do comportamento de animais no laboratório para o comportamento humano. Reforçava-se com chocolate, cigarros, etc. No IBAC em Brasília a questão foi discutida recentemente, há um trabalho interessante de Carlos Augusto de Medeiros sobre o assunto. O trabalho gerou discussão entre Gustavo Martins e alunos do IBAC, e a seguinte manifestação de Márcio Borges Moreira, que transcrevo para quem se interessar a participar:



2010/10/5 Gustavo Tozzi Martins
Digníssimos professores Carlos Augusto e Márcio,

É com grande satisfação que entro em contato com os senhores para lhes pedir uma ajuda na aplicação conceitual do que chamamos de reforçamento natural. Essa discussão foi levantada em sala pelos alunos e parece divergir com textos estudados tanto em nível básico quanto textos especializados na formação clínica e educacional. Gostaria de deixar clara minha posição humilde (do latim húmus, terra, no sentido de ter pés no chão) em buscar ajuda sobre um tema que aprendi em um contexto aplicado bastante limitado.

Reforços naturais foram definidos por Ferster (1967) como consequências inerentes à própria atividade realizada pelo sujeito. O qualificador “natural”, dessa forma, indica que as consequências intrínsecas da resposta funcionam como fortalecedores da mesma (Horcones, 1992). Logo, o reforço natural não estaria relacionado à adequação do contexto em que ocorre (ou não), diferenciando dos reforçadores artificiais (arbitrários) somente quanto à sua mediação e programação.

Skinner (1972) considera que certos reforçadores imediatos automáticos como mantenedores de muitas classes de respostas funcionam como reforçadores naturais. Em seu exemplo no qual sustenta que boa parte do aprendizado escolar envolve importantes reforçadores naturais diz o seguinte: “Que tem a escola à sua disposição para reforçar uma criança? Convém olhar para as matérias a serem aprendidas, pois é possível que forneçam considerável reforço automático. As crianças brincam durante horas com brinquedos mecânicos, tintas, tesoura e papel (...) com quase tudo que as informa das modificações substanciais que elas provocam no ambiente e que sejam razoavelmente isento de propriedades aversivas” (Skinner, 1972).

O reforço natural, conforme visto anteriormente, se aproxima muito do conceito de reforçamento automático. O uso de reforçadores naturais na clínica tem sido diferente quanto à natureza dos reforçadores, uma vez que há mediação para os mesmo. O ambiente social, por exemplo, é uma fonte de análise para a capacidade na manutenção dos repertórios trabalhos em consultórios para ampliação de controle para contextos mais naturais do cliente, conforme previsto pelo modelo da FAP, por exemplo (Kohlenberg & Tsai, 2001). Nesse caso reforçamento natural não se aplicaria, pois dependeria da mediação de terceiros (correto esse raciocínio?). Reforçamento automático (ou natural) no comportamento verbal da pessoa (falante), por exemplo, poderia ser a pessoa ficar sob controle do seu timbre de voz enquanto fala com seu interlocutor (ouvinte) e não pelos reforçadores mediados por este.

Posso deduzir então que o que define os reforçadores naturais é a sua própria natureza intrínseca à resposta, tendo o organismo como ambiente primeiro para fonte de reforçadores? Não há neste caso um esvaziamento conceitual ao que chamamos de reforçamento automático?
Conversei com outros profissionais e professores e dúvidas como essas surgiram. Vejo uma boa oportunidade para discutirmos esse assunto de forma a buscarmos pontos relevantes nas definições conceituais trabalhadas em nossa área e, ao mesmo tempo, instigar os alunos a questionarem sobre assuntos que são discutidos na análise do comportamento. Por fim, gostaria de lhes pedir autorização em socializar as discussões para que os alunos possam ter acesso.

Forte abraço,

Gustavo Martins



Oi Gustavo,

Lendo os conceitos apresentados por você as primeiras idéias que me vieram foram:

1. o qualificador "natural" não parece ser um bom termo. Primeiro porque utilizamos ele em ciência como oposto a sobrenatural; segundo porque pode haver uma confusão entre reforço natural versus reforço em uma situação natural (e natural aqui não em oposição a sobrenatural).
2. o qualificador "automático" também é problemático, como qualquer outro que comece com "auto", pois desvia a atenção de variáveis (explicações) alternativas.
3. Não consigo pensar agora em alguma utilidade para distinguir entre natural e arbitrário quando falamos de uma consequência explicita como nota em uma prova, por exemplo. Também não vejo muita utilidade em mediado por outra pessoal ou não.

Acho que o problema prático se coloca quando não somos capazes de identificar uma consequência reforçadora para um determinado comportamento e lançamos do atividade "autoreforçadora". Numa situação como aquelas descritas pelo princípio de premack (em que uma atividade de alta frequência pode ser reforçadora para outra de baixa frequência), em termos de análise funcional, fica muito claro qual é a consequência reforçadora. No entanto, se o comportamento de alta frequencia for, por exemplo, caminhar em uma roda de atividade, teríamos alguma dificuldade em especificar as consequências reforçadoras.

Talvez a questão principal não seja automático ou não, mas o próprio conceito de consequência. De qualquer forma, antes de pensarmos que uma atividade é per si reforçadora, devemos sempre ter em mente que outros princípios comportamentais ao fazermos a análise funcional:
1. Esquemas de reforçamento (imagine que alguém veja as pressões à barra de 20 a 30 em FR 50! Ela provavelmente suporia autoreforçamento);
2. Condicionamento respondente
3. Generalização e
4. Encadeamento de respostas

Bom, não sei se contribuí de alguma forma, mas é isso aí...
Um abraço,
Márcio
(p.s. fique à vontade para compartilhar esse e-mail com quem desejar)

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Análise do Comportamento e a Constituição Cidadã.

Nas vésperas do Natal de 1986 eu era Vice-Reitor da Universidade de Brasília. Estando o Reitor Cristovam Buarque de férias, estava eu no exercício da Reitoria quando minha colega e ex-aluna Deisy das Graças de Souza me trouxe uma cópia de um artigo (Glenn, 1986) que acabara de ser publicado. Era o Metacontingencies in Walden Two da Sigrid Glenn. Estávamos em plena Constituinte, a Constituição que seria aprovada em 1988 estava sendo elaborada. Para acompanhar o processo havia sempre um bom número de professores de universidades federais de quase todos os estados trabalhando no Salão de Atos, adjacente ao Gabinete do Reitor. Era impossível trabalhar na reitoria e não falar da Constituinte. O que me aconteceu era, pois, plenamente previsível – ao ler a definição de metacontingencia e exemplos de metacontingencias cerimoniais e metacontingencias tecnológicas, de uma só vez me veio a concepção da Constituição como metacontingencia.
Esse foi o título do artigo publicado em 1987 e escrito na mesa do reitor entre o Natal e o Ano-Novo de 1986. Neste trabalho aproveito trechos do que foi escrito em 1986 e atualizo outros. Na verdade a constituição não é só uma, mas um conjunto de metacontingencias, umas cerimoniais, outras tecnológicas (Todorov, 1987). Uma lei sempre prescreve alguma conseqüência para algum tipo de comportamento. Ao examinarmos os artigos de uma lei veremos que alguns descrevem uma contingência tríplice completa – situação, comportamento e conseqüência. Em alguns casos, um conjunto de artigos descreve uma metacontingencia – uma serie de contingências comportamentais entrelaçadas que produzem um produto agregado recorrente. Um exemplo no Estatuto da Criança e do Adolescente (Todorov, Moreira, Prudêncio e Pereira, 2004) são os artigos que especificam os comportamentos requeridos de vários agentes do estado por ocasião do nascimento de uma criança em um hospital. O nascimento é a origem de uma seqüência de eventos encadeados e entrelaçados que termina com o registro da ocorrência em livro próprio pela enfermeira responsável.
Com maior freqüência leis estabelecem conseqüências aversivas e visam controlar comportamentos via punição. O Código Penal autoriza agentes do Estado a aplicar a punição. Algumas leis visam incentivar comportamentos desejáveis, do ponto de vista de quem redige a lei, e prescrevem conseqüências positivas para tais comportamentos. Em outros casos é a ausência de comportamentos que é punida ou recompensada, como a omissão de socorros (cadeia para quem deixa de prestar socorros) e a poupança voluntária (pagamento de juros para quem não gasta e deixa o dinheiro na poupança). Algumas leis apenas descrevem melhor regras para comportamentos que já ocorrem na sociedade – são as leis que pegam. Outras propõem mudanças nas práticas culturais existentes, e são mais duras de pegar. Nossa Constituição de 1988 foi classificada de utópica por um jurista estrangeiro que me visitou há dois meses por conter muitas especificações de mudanças em práticas culturais vigentes. Não é um texto que descreve relações sociais vigentes. Em grande parte descreve para onde deve mudar a nação. Um bom exercício para analistas do comportamento interessados no assunto é identificar no texto da Constituição contingências de dois e de três termos, metacontingencias e conjuntos integrados de metacontingencias.
Glenn, S. S. (1986). Metacontingencies in Walden Two. Behavior Analysis and Social Action, 5, 2-8.
Todorov, J. C. (1987). A Constituição como metacontingência. Psicologia: Ciência e Profissão, 7, 9-13.