sábado, 27 de dezembro de 2014

Os “libertários" da presidente.


                Impressionado com a guinada à direita do governo Dilma lembrei-me do economista Paul Krugman e sua coluna sobre os “libertários” estadunidenses norte-americanos. Krugman referia-se a um artigo na revista Times, escrito por Robert Draper, que identificou o “libertarianismo” com economia de mercado e visão social permissiva: todo o poder ao capital e o povo que se vire.
                Ao repartir o governo, e com isso o poder, entre seu partido e os partidos da base aliada, a grande maioria dos cargos de confiança e os comissionados ficará com pessoas que, em termos de esquerda, “da missa não sabem a metade”. Têm um perfil de “libertários”. A militância petista ideológica vai ter que batalhar para manter o nível de recursos destinados à diminuição da desigualdade de renda e de oportunidades.
                George Hilton vai fazer o marketing global de sua igreja antes, durante e depois da Olimpíada no Rio em 2016. Sua tarefa não é diminuir a desigualdade de renda, é aumentar o capital da igreja.
                Aldo Rebelo e seu partido sempre foram isolacionistas com relação ao mundo “não comunista”. O que vai fazer em um ministério que só tem sentido enquanto promove a internacionalização dos pesquisadores? A indicação é salva em parte pela nomeação de Luís Fernandes para a Secretaria Executiva.
                O jovem Barbalho na Pesca é a personificação do nepotismo coronelista, é a Roseana do Jáder. Deu no NY Times que os velhos coronéis da política no Brasil estão saindo de cena, mas ao que parece Sarney só perdeu uma eleição, mas não a guerra.
                Cid e Ciro são dois neocoronéis à procura de um partido só deles. Kassab é outro. Vão acabar se encontrando. Os irmãos ficam com o Norte e o Nordeste, Kassab com o resto. Parece que o Brasil não pode ficar sem caciques.
                Mas voltando a Draper e libertários: Krugman afirma que felizmente a juventude americana parece estar convencida da vantagem de um governo mais forte e regulador da atividade capitalista. Acredito que nossa juventude também está. E é isso que a propaganda enganosa lhes vende como mais um governo do PT. A sigla já impôs respeito no passado. Acho melhor falar do governo Dilma.

1.      




quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

Sabedoria do Papa adaptada para behavioristas

Na mensagem de natal dirigida a cardeais e bispos o Papa surpreendeu e fez críticas sem precedentes ao comportamento dos membros da Cúria.
Inspirados pela crítica do Papa Francisco à Cúria Romana, aqui vão conselhos dirigidos apenas aos behavioristas amigos da internet (para não dizerem que me meti a Papa do behaviorismo):
1 – A sensação de imortalidade, imunidade ou de ser indispensável costuma acompanhar o sucesso profissional do analista do comportamento, mas é bom lembrar que o resto da Psicologia não pensa assim. O cemitério dos psicólogos está cheio de “ex-ímortais”, “ex-imunes” e de “ex-indispensáveis”.
2 – Cuidado com a excessiva diligência. Pare para pensar antes de seguir regras. Como disse o Papa, “negligenciar o descanso necessário leva ao estresse e à agitação” e isso vale também para os behavioristas.
3 – Cuidado com o endurecimento mental. Isso é combatido acompanhando de vez em quando o que o resto do mundo está fazendo.
4 – Não abuse do planejamento excessivo e da análise funcional. Imaginação e improvisação são as mães da inovação.
5 – A má coordenação mata o futuro. Behaviorismo e análise do comportamento são obras coletivas. Como disse o Papa, o individualismo faz a orquestra produzir ruído, não música. Se cada um começar a dar nomes novos aos velhos bois a vaca vai para o brejo.
6 – O Alzheimer acadêmico torna o behaviorista uma pessoa totalmente dependente de seus pontos de vista, muitas vezes imaginários.
7 – A glória pessoal e a rivalidade são doenças irmãs, e seus sintomas são a ênfase absoluta em publicar e ser citado.
8 – Cuidado com a hipocrisia existencial, a doença dos que se dedicam burocraticamente à crítica da teoria e perdem contato com o comportamento das pessoas vivendo em sociedade. Alguns se dedicam a vida dupla, definindo conceitos de uma forma e usando-os na prática de outra.
9 – Fujam de conversas e fofocas, as quais semeiam discórdia e maledicência.
10 – Badalar o chefe é bom para carreira na política. Não deveria funcionar na ciência e na profissão (mas nunca se sabe...).
11 – Quando todo mundo pensa em si mesmo a procissão não anda. Lembrem-se que o santo é de barro e muitos são necessários para carregar o andor.
12 – Behavioristas são arrogantes por natureza, mas não custa fazer um esforço e sorrir para os clientes.
13 – Os que gostam do trabalho cobram preços razoáveis e não escorcham a clientela. Já os que sentem “um vazio existencial em seu coração” afogam as mágoas com preços inacessíveis.
14 – Evitem os círculos fechados. Esses grupos tendem a se tornar muito fortes e a gerar dissidências que se apresentam depois como uma nova ciência (se disserem que eu estava pensando no Steve Hayes vou dizer que é mentira).
15 – Cuidado com o exibicionismo do poder. Segundo o Papa, é a doença que transforma seu serviço em poder, e seu poder em mercadoria para ganhar mais dinheiro ou ainda mais poder.

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Quem não tem baleia caça com peixe - a metacontingência no aquário.


Lucas Couto de Carvalho é meu ex-aluno e parceiro em algumas publicações. Atualmente é doutorando em Oslo, na Noruega.



Fazendo dos peixes grandes baleias

Lucas Couto de Carvalho

O conceito de metacontingência é uma ferramenta conceitual, primeiramente cunhado por Sigrid Glenn em 1986, que trata de fenômenos sociais dentro de uma perspectiva analítico comportamental. Esse conceito é novo, tem suas limitações e controvérsias, entretanto, têm-se dado atenção a ele de modo que seu refinamento e evolução estão sendo perseguidos (e.g., Todorov, 2013). Esse conceito era ainda mais novo para mim na época em que ingressei na pós-graduação. Naquele tempo, mais me preocupavam registros cumulativos de experimentos conduzidos com ratos do que qualquer outra coisa. Aos poucos, aquele conceito foi me interessando, passei cada vez mais a ler sobre comportamento de pessoas em grupo (e.g., Lamal, 1991), sobre experimentos publicados na área (e.g., Vichi, Andery, & Glenn, 2009) e, claro, gastando horas pensando sobre o conceito e tentando visualiza-lo em meu próprio ambiente natural.
Voltando aos animais, como estive bastante interessado em estudar comportamento de animais em caixas de Skinner, não pude me privar de tentar, nessa nova fase dos meus estudos, de encontrar algum experimento já publicado sobre comportamento social ou em sociedade em animais não-humanos. De fato encontrei (e.g., Graft, Lea, & Whitworth, 1977). Nessa mesma época, como não tinha televisão em meu flat, o que me restava era me distrair assistindo filmes ou seriados pelo YouTube. Na altura, sair era um pouco tedioso, já que lá fora só se via neve e luzes inventadas pelos homens (o inverno na Noruega não é fácil para brasileiros). Dentre os programas que me interessavam, incluíam-se aqueles que passam na Nathional Geographic, sobre animais selvagens em geral. Um exclusivamente chamou minha atenção, sobre estratégias de caça em baleias orcas. Ali percebi claramente um exemplo de seleção cultural (o link desse vídeo, para interessados: https://www.youtube.com/watch?v=3__L0oAa2T8). Fiquei maravilhado, pensei se fosse possível um dia presenciar tal fenômeno. Talvez uma parceria do nosso grupo de pesquisa com esses pesquisadores poderia me levar a isso (claro! Estava sonhando alto). Então esqueci, por hora.
Naquela época estava prestes a embarcar em uma viagem para Londres. Levando em consideração os valores das passagens, lembro-me de ter comprado nossos tickets (meu e de Nayara) para um aeroporto mais distante, localizado em Torp (Aeroporto de Sandefjord). Só para chegar ao aeroporto faz-se uma hora e meia de viagem por trem, partindo da Estação Central de Oslo. Levando esse tempo em consideração, pensei, “levarei comigo a biografia de Skinner para terminar de ler durante a viagem” (Skinner, 1979). Na ida, nada feito, a linda paisagem da Noruega deixou-me de lado a leitura. Mas na volta pude me concentrar naquele livro. A cada página que lia percebia o quanto Skinner se deliciava ao fazer experimentos com ratos, aquilo era animador. Volta e meia aquilo me fazia voltar os pensamentos às baleias. Parei de ler, aquele desejo de ver baleias se comportamento em grupo de maneira impressionantemente coordenada se intensificou. Porém, era óbvio que não seria possível criar duas baleias em um flat de apenas 14m2, e pesquisas no oceano, talvez mais impossível ainda.
Como era véspera de meu aniversário, ainda dentro do trem, pedi a Nayara que me desse um presente que seria para mim o melhor de todos, um aquário e dois peixes. Então ela indagou: “mas um aquário?”. E respondi que pensava em fazer um experimento no qual tentaria modelar peixes em uma metacontingência. Enquanto percebia seu olhar desconfiado, em mim falava aquele pensamento: “vou fazer de dois peixes as baleias”. Após semanas tentado modelar comportamentos naqueles peixes (que por sinal foi uma grande experiência perceber os detalhes daquele processo), então, finalmente, estavam lá, eles nadando de maneira coordenadas. Foi um daqueles momentos em que os sentimentos de Skinner faziam-se vivos. Aqueles peixes tinham me dado uma grande oportunidade de presenciá-los se comportando de acordo com uma contingência social da qual tinha planejado. Fortaleci os comportamentos em reforçamento contínuo e, logo depois, inseri um FR. Foi possível atingir FR 5 (um vídeo pode ser visto no YouTube de parte da sessão em FR 5: https://www.youtube.com/watch?v=8j4e-FNYJGw).
No final daquele semestre teríamos uma viagem ao Brasil e fiquei martelando o que faria com aqueles peixes. Afinal, me fizeram bastante feliz, não poderia simplesmente me desfazer deles. Demorei para resolver o que fazer, pelo que parece, por conta daquela sensação de que não poderia me despedir deles na altura do campeonato! No dia da viagem embalei-os dentro de um plástico e os enfiei dentro da minha mala. Viemos juntos ao Brasil! Hoje quando os vejo sempre nadando um próximo ao outro, penso: “Será que os procedimentos os aproximaram?”. A resposta pode, ou não, ser contada por mim ou outros em um próximo capítulo dessa história.
Referências
Graft, D. A., Lea, S. E. G., & Whithorth, T. L. (1977). The matching law in and whithin groups. Journal of Experimental Analysis of Behavior, 25, 183-194.
Lamal, P. A. (1991). Behavioral analysis of societies and cultural practices. New York: Hemisphere Publishing Corporation.
Skinner, B. F. (1979). The shaping of a behaviorist: Part two of an autobiography. New York: New York University Press.
Todorov, J. C. (2013). Conservation and transformation of cultural practices through contingencies and metacontingencies. Behavior and Social Issues, 22, 64-73.
Vichi, C., Andery, M. A. P. A., & Glenn, S. S. (2009). A metacontingency experiment: the effects of contingent consequences on patterns of interloking contingencies of reinforcement. Behavior and Social Issues, 12, 41-57.


domingo, 23 de novembro de 2014

Por uma análise comportamental da cultura.


            Se a Análise do Comportamento é a ciência das relações condicionais, qual é sua definição para “cultura”?  É o conjunto das contingências sociais que caracterizam um grupo, uma organização, uma etnia, um país, etc. Não é apenas um conjunto de práticas culturais, nem o conjunto dos produtos gerados por essas práticas. É o conjunto de relações condicionais que regulam as práticas e seus produtos.
            A seguir trechos de “Contingências de seleção cultural” (Todorov, 2012).
“Práticas culturais são mantidas por contingências socialmente determinadas que prevalecem em uma sociedade, um grupo ou em uma organização. Podem vigorar durante períodos de tempo variáveis, de alguns meses, como nas modas, a alguns séculos, como as contingências que são parte da identidade de um grupo étnico. Praticamente todo comportamento operante humano pode ser classificado como prática cultural. Mesmo comportamentos como comer, comum a todos, dependem de contingências que determinam o que e como comer. Tais comportamentos são adquiridos por regras, exposição a modelos e/ou exposição direta a contingências. Crianças são educadas de acordo com os padrões de uma cultura; vão adquirir repertórios mantidos por contingências sociais por meio de interações com a mãe, cuidadores, família, e agências controladoras como a escola e a igreja. É um processo longo que normalmente respeita o desenvolvimento biológico da criança. O controle pode ser tão sutil a ponto de não ser facilmente percebido. O estresse associado a cada nova aprendizagem modelada por contingências sociais se dilui ao longo de anos ou décadas. O caráter aversivo do controle por consequências se torna parte da vida.”  (Todorov, 2012, pp. 51-52)

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Todorov, J. C. (2012). Contingências de seleção cultural. Revista Brasileira de Análise do Comportamento, 8(2),49-59.

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Lorismário Simonassi e a aprendizagem por canibalismo.

De Lorismário Simonassi

                               A planária que comeu a aprendizagem de outra planária.
                                                                                                                 Scrittore Traditore.

                               Existe uma grande quantidade de más informações nas academias.  Parece que na psicologia a frequência  é maior. Este tipo de divulgação é parecido com o que Sergio Porto imortalizou, lá pelos anos 60, com o título de FEBEAPÁ (FEstival de BEsteiras que Assolam o Pais). Eram sátiras que, naqueles anos, mostravam as confusões que pessoas faziam ao misturarem fatos de diversas épocas. Uma das mais famosas foi o samba intitulado por Stanislaw Ponte  Preta- pseudônimo de Sergio Porto (1968)- de Samba do Crioulo Doido. Voltarei ao samba.
                               Comumente, professores de outras áreas se aventuram a falar sobre o que não sabem. Um exemplo comumente citado é um pseudo-experimento feito com planárias por  Mc Connel (1962). Neste pseudo-experimento a uma planária apresenta-se uma luz seguida por um choque elétrico. Posteriormente só a presença da luz é suficiente para que a planária fuja da presença da luz e evite o choque.. Dá-se então a oportunidade  que planárias  canibalizem partes da planária “condicionada”. Afirma-se que a planária foi condicionada por um procedimento tipicamente Pavloviano ou Respondente. Posteriormente à planária “canibalesca” é apresentada a uma luz de mesma intensidade. Esta então passa a fugir da luz e evitar o choque. Diz-se que isto é um experimento que demonstra que a aprendizagem foi “digerida” pela planária “canibal” e que o comportamento de fugir da luz e esquivar ao choque foi transferido para a planária canibal ao ingerir o RNA da planária condicionada.
                                Alguns comentários:
1-      Não se testou previamente se a planária comelona já fugia das luzes. Não é preciso, pois estes vermes são fotofóbicos, isto é, tem respostas de fugir da presença da luz. Elas fogem também da presença de choques elétricos. Portanto se tivesse sido feita uma Linha de Base, o experimentador teria que tomar uma de várias outras possíveis decisões, a saber: 1-trocar a luz por um estímulo neutro relativo à sensitização(sensibilização) ,isto é, um estímulo que não fosse um estímulo incondicionado sensibilizador pois nos procedimentos Pavlovianos NÂO EXISTE emparelhamento de dois estímulos INCONDICIONADOS   no caso, luz/choque uma vez que já são sensibilizadores. 2- Trocar de animal, isto é , usar um animal no qual a luz não fosse um estímulo incondicionado. Por exemplo, um cachorro, pois este também teria um sistema nervoso mais evoluído do que a planária, pois nas planárias o sistema nervoso é rudimentar. Por rudimentar, define-se que possuem  “um anel nervoso ligado a cordões longitudinais ou por um par de gânglios cerebroides”, isto é, tem funções semelhantes às funções mais elementares de cérebros ainda muito pouco desenvolvidos. Exemplo, o cerebroide  das planárias é inferior ao das minhocas pois, as minhocas são anelídeos, organismos superiores aos platelmintos (planárias).
2-      Caso o teste fosse feito em Linha de Base  (cf. Sidman, 1960)  a planária “canibal” já teria apresentado o comportamento de fuga. Portanto o que esta planária comeu não foi a aprendizagem, mas sim proteína.
3-      O delineamento deveria ser feito tipo N=1,  n vezes, ou seja, fazer a sequencia de  Linha de Base → Emparelhamento de Estímulos → Linha de Base.

A despeito da vasta literatura sobre sensibilidade de estímulos (cf. Jenkins, 1977) a divulgação de achados no mínimo controversos continua a ocorrer. Até mesmo expectativas de “pílulas da aprendizagem ou memória” são ditas nas salas de aula. Não é novidade, pois foi o próprio Mc Connell que difundiu a ideia em suas apresentações lá pelos anos de 1964. Até hoje são esperadas as tais pílulas embora, estudos refutativos por falta de CONTROLE EXPERIMENTAL sejam vastos na literatura especializada.  Por exemplo, Hartry, Keith-Lee e Morton (1964) replicaram o experimento de MC Connel (1962) e concluíram que:
                                              “os resultados não provam que memória não possa ser transferidas via canibalismo, porem teorias alternativas que enfatizam ativação e sensibilização  podem ter sido as variáveis responsáveis das respostas de fuga e esquiva nas planárias canibais”.
                                              Desde 1962 até os dias de hoje as tais “pílulas de memória” não surgiram. Eu faço uma sugestão.  Se uma criança aprendeu a ler é suficiente que gotículas de sangue dessa criança sejam misturadas com água e açúcar para ser mais apetitosa e distribuída para crianças analfabetas beberem. Como existem moléculas de DNA e RNA no sangue dos organismos, o problema da leitura estará resolvido. Enquanto isto os Analistas do Comportamento irão ensinar seus filhos a ler através das técnicas convencionais ou quando muito, usar um procedimento de Aprendizagem sem Erro (cf. Terrace, 1963) ou de Equivalência de Estímulos (cf. Sidman,1982) para que seus filhos continuem aprendendo a ler caso tenham dificuldade em aprender.
                                              Voltando ao Samba do Crioulo Doido de Stanislaw Ponte Preta desejo colocar uma pequena parte:
                                  “Foi em Diamantina onde nasceu JK que,  a princesa Leopoldina arresorveu se casá. Mas Chica da Silva, tinha outros  pretendentes e convenceu a princesa a se casá com Tiradentes.”

            Enquanto a pílula não vem, aprendam o restante do samba  pode ser aprendido ou canibalizado. É muito interessante. Para terminar vou transcrever o que meu amigo João Claudio Todorov (2014) escreveu em seu Blog: “ Há pessoas que escrevem com a tranquilidade dos que são felizes porque não sabem que não conhecem o assunto”.

                Referencias

Hartry, A. L; Keith-Lee, P. and Morton, W. (1964). Planaria Memory transfer through cannibalism reexamined. Science, New Series, Vol. 146, N° 3641. (Oct. 9,) pp. 274-275.

Jenkins, H.M. (1977). Sensitivity of Different Response System to Stimulus-Reinforcer and Response-Reinforcer Relations.In Hank Davis & Harry M. B. Hurwitz. Cap. 3. New York ; John Wiley & Sons.

Mc Connel, J. V. (1962). Journal Neuropsychiatry, 3 (Suppl. 1) S 42.

Pavlov. I.P. (1927) Conditioned Reflexes . tr. G.V. Anrep.London: Oxford University Press.

Porto, S. (1968). Na Terra do Crioulo Doido: a máquina de fazer doido. Editora Sabia: Rio de Janeiro.

Sidman, M. (1960). Tactics of Scientific Research. Cap. 11. New York: Basic Books, Inc.,Publishers.

Sidman, M. & Tailby, W. (1982). Copnditioned discrimination VS matching to sample: an expansion of the testing paradigm. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 37 (1), 5-22.

Terrace, H.S. (1963).Discrimination learning with and without “errors”. Journal Experimental Analysis of Behavior, 1963, 6, 1-27.



sábado, 15 de novembro de 2014

Análise do Comportamento como ciência das relações condicionais.



“Em resumo, no campo do comportamento como um todo, as contingências de reforço que definem o comportamento operante estão por toda parte. Aqueles sensíveis a esse fato às vezes ficam embaraçados com a frequência com a qual eles veem reforço por toda parte, como os marxistas veem a luta de classes ou os freudianos o complexo de
Édipo.” (Skinner, 1966, p. 31)


            A Psicologia é o estudo de interações comportamento-ambiente, qualquer que seja a abordagem que você prefira. Todas estudam a relação entre algum processo do organismo e algum aspecto do ambiente, interno ou externo ao próprio organismo (Todorov, 1989, 1991, 2007, 2012). É nesse sentido que a palavra comportamento é usada na Análise do Comportamento – que não estuda o comportamento, estuda interações comportamento- ambiente. Não só não estuda o comportamento: especializou-se em relações que envolvem apenas dois tipos de comportamento, o respondente e o operante. Na prática há uma superespecialização em operantes (Todorov, 2012).
            Operantes e respondentes são dois tipos de relações de contingência, ou relações condicionais. Por isso podemos afirmar que a Análise do Comportamento é a ciência das relações condicionais comportamento- ambiente. Em um caso a interação estudada envolve a relação condicional entre dois estímulos (respondente), no outro a relação entre, pelo menos, um comportamento e um estímulo (operante).
            O que define um operante não é a identificação do comportamento, é a identificação da contingência operante da qual o comportamento faz parte: antecedente-comportamento-consequência (Todorov, 1985, 2002). Confundir comportamento com operante tem levado a que alguns autores definam comportamento como a interação organismo-ambiente (Todorov, 2012). Definem assim, mas eles mesmos não usam “comportamento” com esse sentido.
            Outra confusão é muito comum: efeito e consequência. Quando alguém fala, a passagem do ar pelas cordas vocais provoca um efeito no ambiente externo: ondas sonoras. A consequência do que foi falado depende da recepção desse efeito pelos receptores auditivos dos possíveis ouvintes. O efeito é um movimento do ar, a consequência pode ser a reação de outra pessoa. A mudança de alguma parte do organismo e seu efeito no ambiente são um processo, a mudança e o efeito ocorrem no tempo, mas não é esse o processo que mais interessa seja à Psicologia, seja à Análise do Comportamento. O processo é outro, aquele que envolve comportamento e ambiente, seja apenas como antecedente (respondente), seja como consequência (operante).
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Todorov, J. C. (1985). O conceito de contingência tríplice na análise do comportamento humano. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 1(1), 75-88.
Todorov, J.C. (1989/2007). A psicologia como o estudo de interações. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 3, 325-347. Reimpresso em Todorov, J. C. (2007). A Psicologia como o estudo de interações. Psicologia. Teoria e pesquisa, 23, 57-61.
Todorov, J. C. (1991). O conceito de contingência na psicologia experimental. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 7, 59-70.
Todorov, J. C. (2002). A evolução do conceito de operante. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 18(2), 123-127.
Todorov, J. C. (2012). Sobre uma definição de comportamento. Perspectivas em Análise do Comportamento, 3(1), 32-37.


terça-feira, 30 de setembro de 2014

Comportamento, ambiente e rendimento escolar, um desafio para todos.


            O ambiente de paz na escola é um produto da colaboração de alunos, suas famílias, professores, dirigentes, funcionários e da comunidade afetada pela violência gerada na própria escola. O rendimento acadêmico depende de um ambiente de paz, para o qual contribui até a arquitetura do local. Em grande parte, os professores, funcionários e alunos já são de início agredidos pelo ambiente físico. Tudo contribui para o circulo vicioso da violência e do baixo rendimento escolar.
            Em 2010 comecei a elaborar um projeto sobre violência nas escolas. Sou analista do comportamento, um behaviorista interessado em estudar práticas culturais, e dentre estas, metacontingências. Não é surpresa, pois, que o projeto se apoie no conceito de ambiente de paz como produto agregado, resultante de incontáveis comportamentos interligados, da colaboração de todas as pessoas envolvidas. Mas eu já estava muito doente e tocava a vida e o trabalho à custa de medicação excessiva. Já em 1998 havia sido diagnosticada minha DPOC (doença pulmonar obstrutiva crônica), incluindo enfisema (severa ou severíssima, dependendo do médico), bronquite crônica, asma de esforço e asma alérgica. O especialista foi categórico: aposentadoria e permanência em casa com pelo menos 18 horas diárias respirando oxigênio para compensar a insuficiência pulmonar. Não gostei. Achei um exagero, pois além de coordenar o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária do Incra eu levava uma vida mais ou menos agitada, incluindo golfe nos fins de semana. Apesar de gripes e uma pneumonia, considerei o diagnóstico um exagero e continuei a trabalhar, sem uso de oxigênio e aumentando o uso de corticoides e de antibióticos.
            Um perigo constante para doentes crônicos é a automedicação. Ao longo dos anos fui controlando o cansaço no golfe usando um carro elétrico ao invés de andar e mais tarde levando um tubo de oxigênio no carro para conseguir terminar pelo menos metade de uma partida. Em 2008 a saúde começou a piorar. Eu deveria ter parado com tudo, finalmente seguindo a receita do pneumologista de 1998. Teimoso, não parei. Em 2009 tudo começou a dar errado. Em 2010 eu já estava com 10 quilos acima do peso por retenção de água (uso contínuo de corticoides), afastamentos por motivo de saúde ficaram mais frequentes.
O mal estar continuou mesmo na UTI, quando acordei sem saber onde estava e o que tinha acontecido. A recuperação levou quase dois anos. Hoje aprendi a sair de Brasília nos períodos de ar muito seco e grande variação na temperatura e a ficar ao nível do mar o maior tempo possível. Voltei a orientar alunos na UnB e a publicar com a frequência costumeira. Já dá para pensar nos projetos que ficaram inacabados.


quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Controle e contra controle em contingências sociais.


Em artigo no Sunday Review of the New York Times (17 de agosto de 2014) C. Bradatan escreveu sobre a dificuldade que temos de atentar para as circunstâncias que nos afetam:

Sócrates tornou-se um estranho em sua própria cidade, mas não se mudou para outra. Tornou-se “átopos”, que siginificava “fora de lugar”, mas também “perturbador” e “intrigante”. Ser átopos é crucial se você quer ser um filósofo sem meias palavras como era Sócrates. Em cada comunidade há algo que deve ficar sem ser dito, sem nome, incomunicável. E você indica que participa dessa comunidade precisamente porque participa do silencio geral. Revelar tudo, ..., é o trabalho do estrangeiro. Seja porque estranhos não conhecem as regras da cultura local, seja porque não se espera que as respeitem, estrangeiros podem se dar ao luxo de falar à vontade”. (Sunday Review, p. 12).

Ser incapaz de descrever as contingências sociais que governam as regras de convivência na cultura é resultado de ter se tornado humano nessa cultura. Quando o grupo nos ensina o que pode der dito e o que não pode, também nos ensina o que pode ser pensado e o que não pode. O “conhece-te a ti mesmo” do mesmo Sócrates poderia ser reescrito como “para conhecer a ti mesmo conheça primeiro a cultura que te formou”. O papel da Análise do Comportamento é o de nos ajudar a  exercer o contra controle, e para isso é necessário conhecer o que nos controla e como esse controle é exercido, na família, na escola, no trabalho, no clube, na igreja, nos tribunais, nas redes sociais, nos governos.

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segunda-feira, 11 de agosto de 2014

O mentalismo que nos cerca.


                Nos Estados Unidos os eleitores do Partido Democrata são tidos como liberais e os do Partido Republicano como conservadores. No conservadorismo do Partido Republicano cabe uma ala mais extremista, o chamado Tea Party que é contra tudo de novo “que está aí”. No debate atual sobre o aumento na desigualdade de rendimentos no país alguém dessa direita saiu-se com esta pérola: “Se alguém desejar ser pobre ele pode ser; se desejar ser rico ele também pode ser”.  Você é o que desejou ser! Vá ser mentalista assim lá no Alaska (ou no Hawai, que é mais longe).
                Nicholas Kristof, do NY Times, não foi nem ao Alaska, nem ao Hawai, mas já em Oregon, no noroeste dos Estados Unidos, testemunhou essa atitude em Yamhill, sua cidade natal. Pessoas que fizeram algum sucesso na vida acham que devem isso apenas a seu esforço pessoal e sua inteligência, sem considerar que vieram de famílias que os criaram com todo carinho e conforto, liam livros para eles, levavam a praticar esportes coletivos, ensinaram a frequentar bibliotecas e a apreciar música. Segundo o jornalista, “eles foram programados para fazer sucesso na vida desde que eram zigotos”. Já adultos, bem sucedidos, olham para os pobres e miseráveis sem considerar suas circunstâncias e atribuem esse destino a falta de esforço.
                Esse tipo de explicação para desigualdades econômicas, sociais, e/ou culturais existe por todo lado, inclusive no Brasil. Um exemplo disso costuma acompanhar conversas sobre programas compensatórios como o Bolsa Família, originário do Bolsa Escola (Brasilia e Campinas), logo um programa de muitos partidos, alguns adversários. Dizem que o programa dá o peixe quando deveria ensinar o cidadão a pescar. Bom, como diziam os antigos, devagar com o andor. Esmolas, como já cantava Luiz Gonzaga, ou matam de vergonha ou viciam o cidadão. Mas há os casos de miséria tão completa que sem uma ajuda continuada a família não se sustenta. Quando se exige contrapartida, como manter as crianças na escola, vacinar os bebês, frequentar cursos para aumentar a empregabilidade, o dinheiro recebido  não pode ser considerado esmola, não envergonha, ainda que possa viciar a cidadã.

No lugar de dizer que quem recebe o Bolsa Família é vagabundo, tão vagabundo que não deseja trabalhar, melhor seria garantir, via mobilização do povo, que o programa seja fiscalizado adequadamente.

domingo, 27 de julho de 2014

Disputas comerciais no mercado das psicoterapias.


Abordagens psicoterapêuticas são resultado de comportamentos sensíveis às suas consequências, como qualquer comportamento operante. São mantidas e prosperam na medida em que seus seguidores de alguma forma agradam os clientes, mantem-se na profissão e ganham reputação pelas indicações feitas por ex-clientes. Por outro lado, uma fonte inesgotável de produção de “novas” abordagens são as contingências especificadas por agências governamentais para o apoio a “inovações tecnológicas” na área. Nos Estados Unidos editais de agências de apoio a tais inovações costumam requerer verdadeiros pacotes, como um nome novo, especificação de métodos e técnicas a serem empregados, tipo de transtorno a que se destina o “pacote”, número previsto de sessões, medidas que mostrem o efeito da terapia, etc. Esse tipo de seleção de propostas está em efeito nos Estados Unidos há mais de 20 anos e tem gerado muitas “tartaruguinhas”, quem sobrevivem (poucas) se conseguirem chegar ao “mar” do mercado ou ao céu dos programas mantidos por verba do governo.
                No Brasil são muito conhecidos os casos de terapeutas analítico-comportamentais que usam nomes de fantasia para distinguir o trabalho – não é o caso de citá-los aqui. No geral isso é aceito porque todo exercício profissional é uma arte, ainda que toda arte dependa de técnicas. Mas  por trás de toda técnica há princípios de alguma ciência, mesmo que a técnica tenha se desenvolvido sem apoio da ciência. Não há problema ético quando o nome de fantasia não usa termos incompatíveis com os princípios da ciência, como faz o ITCR, por exemplo. Mas vejo um problema sério quando misturam ciência com religião (exemplo hipotético: psicoterapia cristã-comportamental) ou com ideologia (outro exemplo hipotético: psicoterapia humanista-comportamental). Um problema ético sério surge quando alguém anuncia um treinamento para uso de alguma técnica para qualquer pessoa que se interesse por ela, como se aprender a usar a técnica fosse tão fácil quanto aprender a fazer tricô. É o caso de certos anúncios do “Método ABA”, para trabalhar com autistas, sem qualquer referência à Análise do Comportamento.

                Travis Thompson, analista do comportamento conhecido por seu trabalho com autistas, publicou um capítulo no Handbook of Classical and Operant Conditioning sobre autismo onde apresenta claramente o desenvolvimento dos trabalhos da Análise do Comportamento nos últimos 60 anos. Thompson adverte: “Não é ético levar pais de autistas a acreditar que seu filho irá ter um desenvolvimento funcional igual a seus colegas no futuro.” A Análise do Comportamento não aborda o “autismo” como se fosse uma “doença” que precisa ser “curada”; trabalhamos com a criança com desenvolvimento atípico como se fosse única, descobrindo com ela até onde pode chegar. Nenhum pacote pode fazer isso.

quarta-feira, 16 de julho de 2014

Futebol, eleições e relações de equivalência.


Tanto o governo quanto a oposição estavam preparados para o período pós-copa. Nos dois casos a questão é a de relações de equivalência. O governo vinha investindo em garantir a associação entre a futura euforia trazida pelo hexacampeonato e a imagem de sua candidata a presidente. A oposição vinha tentando diminuir a reação positiva gerada por notícias da Copa relativizando sua importância para um país carente de educação, saúde, transportes, segurança, infraestrutura, etc. A goleada, tão horripilante quanto inesperada, serviu como um intervalo para que os times políticos trocassem de campo. Agora interessa ao governo relativizar a derrota. No mesmo dia dos 7 a 1 um conhecido petista fez um selfie com a camisa vermelha, sorridente, dizendo não foi nada, isso passa, olha  nós aqui. Inúmeras postagens, nesse dia e nos outros, até agora, batem na mesma tecla. Como se tivessem combinado as regras do jogo, a oposição faz o inverso, reforçando a associação estabelecida no “primeiro tempo” pelo próprio governo entre sua candidata e a Copa, só que agora com todos os aspectos negativos do fracasso. Essas estratégias antagônicas poderiam ser chamadas de “Deixa pra lá” e “Foi ela sim!”, respectivamente.
Um texto em um blog dá um bom exemplo da estratégia “Deixa pra lá”: não vou chorar com os 7 a 1 porque a derrota não foi minha, foi deles. Não há nada de novo nessa fuga do mal estar provocado pela goleada, mesmo porque só quem é torcedor sente o vexame – torcer envolve respondentes, não há papo operante que segure a dor de um 7 a 1. Essa fuga pode até ser parte do contexto de quem curte futebol diariamente, e talvez seja a explicação para os que só se ligam no futebol a cada quatro anos, mas afirmar isso é não reconhecer a importância de pertencer ao grupo, de vestir a camisa mais que figurativamente. Um exemplo de torcedor de verdade, controlado por respondentes, é o flamenguista que contra seus pendores políticos e ideológicos torceu contra a Argentina, pois aquela camisa da Alemanha lembra demais o “manto sagrado” rubro-negro.
Propagandas da oposição do tipo “Foi ela sim!” dizem que agora o futebol se igualou à educação, à saúde, à segurança, etc.; estamos por baixo em tudo. Perdemos por 100 a 0 para a Alemanha em número de ganhadores do Prêmio Nobel (aliás, nesse quesito perdemos a zero também para a Argentina).

Eu pessoalmente preferiria campanhas políticas menos manipuladoras e mais informativas, e projetos para começar a preparar a nova seleção. O sofrimento recomeça com amistosos no segundo semestre. 

sábado, 12 de julho de 2014

O que é consciência?


"Nunca vi fazer tanta exigência
Nem fazer o que você me faz
Você não sabe o que é consciência
Nem vê que eu sou um pobre rapaz"

            Mario Lago,  “Ai que Saudade da Amélia”

“The Cambridge Declaration on Consciousness” é um documento assinado em 7 de julho de 2012 por em pequeno grupo multidisciplinar de cientistas interessados no estudo da consciência em animais. O problema é que não chegaram a um consenso sobre o que é consciência, segundo o idealizador do documento, Philip Low, declarou ao repórter Alex Halberstadt do New York Times.
Consciência é um daqueles termos, como comportamento, que todo mundo acha que sabe o que é, mas cada um usa de maneira diferente. Quando Philip Low e seus colegas chegarem a um consenso sobre a definição volto a escrever sobre isso. Pode demorar, pois até hoje os neurocientistas não chegaram a um consenso sobre o que é “reflexo” e o que é “voluntário”.
            Quando um behaviorista diz que consciência não é explicação, mas um processo a ser explicado, está usando o termo sem negar a importância do que quer que esteja acontecendo no cérebro quando um animal fica imóvel ante um predador, por exemplo. A visão do predador antecede o congelamento e os eventos associados no sistema nervoso. O  conflito entre “se correr o bicho pega” e “se ficar o bicho come” envolve operantes e respondentes, interações entre comportamentos e eventos internos e externos.
            A letra do samba é interessante por mostrar dois sentidos do termo muito comuns em nossa linguagem diária: o estar atento ao que acontece ao seu redor, e o sentido moral. A nova companheira, ao contrário da Amélia, não percebe o mal que faz ao “pobre rapaz”, que infere a falta de consciência pelo que relata do comportamento da moça. A companheira ou realmente não percebe (sentido 1) ou não se interessa pelas consequências, se são ou não socialmente aceitáveis (sentido 2).
Grande parte do que fazemos na Análise do Comportamento, porém, é interpretar eventos internos, como fez Skinner em, por exemplo, “Ciência e Comportamento Humano”, em uma época que as neurociências apenas engatinhavam. Ao contrário do que dizem críticos apressados, não trabalhamos com um modelo “homem-máquina” combatendo um modelo “mente”. Estudamos interações comportamento-ambiente, e o que ocorre por trás da pele (ou sob e na pele) é parte desse ambiente. Ao contrário do espantalho oco pintado pelos que nos criticam, estudamos organismos de carne e osso, muitos nervos, e cheios de desejos, medos, apetites, esperanças, histórias, conhecimentos, e dezenas ou centenas de outros substantivos que a literatura e a arte retratam.
            Talvez não esteja muito claro para esses críticos que quando eu penso para escrever este texto estou me comportando. A diferença é que não aceitamos o pensar em escrever como a causa do escrever. Neste exemplo, pensar e escrever são parte de um encadeamento que é função, dentre outras variáveis de meu contexto, do conteúdo desagradável de um comentário a um texto que escrevi sobre o termo “cognitivo” ser usado às vezes como sinônimo de “comportamental”, ás vezes de “mental”.

http://jctodorov.blogspot.com/2014/07/cognitivo-e-o-novo-mental.html



terça-feira, 8 de julho de 2014

Cognitivo é o novo mental?


         Uma piada de internet antiga ilustra bem como teorias resistem a fatos: um neurônio da periferia avisa ao cérebro que acaba de capturar um fato que pode ameaçar seriamente seu sistema de crenças e valores. O cérebro responde: Jogue fora esse fato.
Um velho amigo meu dizia de uma velha amiga: Ela não deixa nenhum fato da realidade ameaçar sua tão querida teoria.
Dois artigos recentes no New York Times abordam esse assunto:
-  Vinte e seis por cento (26%)  dos americanos com pós-graduação acreditam em alguma forma de criacionismo e rejeitam a teoria da evolução.
- Economistas ligados ao Partido Republicano previram que o programa do banco central americano (FED) de injetar trilhões de dólares na economia iria fazer a inflação disparar. Isso não aconteceu e o programa atingiu seus objetivos, em linhas gerais. É claro que os economistas não abandonaram nem mudaram sua teoria. Como o neurônio da piada jogaram fora o dado referente à inflação dizendo que estava maquiado pelo governo.
O mentalismo é um exemplo desses sistemas de crenças e valores que resistem bravamente aos apelos da realidade. Skinner chamou de radical seu behaviorismo por considerar, ao contrário de seus antecessores behavioristas metodológicos, que o que acontecia no ambiente por trás da pele deveria ser também objeto de estudo de uma ciência natural. A “atividade mental” passa a ser vista e estudada como comportamento. Abandona-se a ideia de um agente interno, a mente, única responsável pelo comportamento observável. Há, porem, um obstáculo quase intransponível para a adoção dessa nova visão: um sistema de crenças e valores característico da civilização ocidental que resiste a toda ameaça ao princípio do livre-arbítrio como explicação para qualquer comportamento. Nem analistas do comportamento que se dizem skinnerianos parecem resistir e se comportam mostrando o que Freud chamou de “displacement” ou o equivalente em alemão: se “mente” é palavra proibida, vamos falar de “cognição”. Pode ser usada como sinônimo com menor probabilidade de punição. Afinal, para um behaviorista fanático “mentalista” é palavrão.
E o que é comportamento? Ver



domingo, 6 de julho de 2014

Contingências sociais não coercivas.

         O programa Bolsa Família vai eliminar a miséria? Pode ser melhorado? E o que é que a Análise do Comportamento tem a ver com isso?
         Em 50 anos vários trilhões de dólares dos que pagam impostos foram investidos no combate à pobreza nos Estados Unidos. O programa “War on Poverty” do Presidente Lyndon Johnson é de 1964. Neste ano de 2014 o governo americano continua preocupado com o aumento da desigualdade econômica no país, e as iniciativas dirigidas para as áreas mais pobres têm sido infrutíferas. Essas áreas têm em comum, quando comparadas com medianas nacionais americanas, baixas escolaridade, renda e expectativa de vida, e índices mais altos de desemprego, de trabalhadores recebendo auxílio-saúde, e de obesidade. Localizam-se em regiões afastadas das metrópoles, sem estradas e aeroportos que facilitem comércio com outras áreas.
         Em vários países governos de direita procuram desenvolver as regiões mais pobres diminuindo impostos para empresas novas que possam gerar empregos e dinamizar a economia. Governos de esquerda distribuem vale-alimentação, remédios, assistência à saúde. Em países democráticos é comum o uso conjunto dessas duas políticas. Nada disso funcionou em 50 anos para regiões americanas como algumas áreas do estado de Kentucky, onde comunidades rurais pequenas situam-se em meio a montes e colinas, sem estradas nem ferrovias decentes, sem densidade populacional que justifique infraestrutura moderna. A alternativa é a mudança de famílias para regiões que ofereçam empregos.
         O xis do problema está em fazer com que as pessoas aceitem mudar de cidade. A não ser por ocasião de catástrofes como as secas no nordeste brasileiro ou as guerras como no Iraque ou na Síria, ou o uso de coerção por governos como na era stalinista da União Soviética ou programa de realocação de camponeses pela Colômbia para facilitar o combate à guerrilha, as pessoas resistem a mudanças.
         Nesse ponto a Análise do Comportamento pode ajudar no planejamento de contingências não coercivas que integrem políticas públicas como o Bolsa Família, notoriamente baseadas em reforço positivo. Até agora essa participação tem sido pequena

         O governo brasileiro tem um projeto antigo de implantação de centros de desenvolvimento econômico em cerca de 20 microrregiões no país, em áreas de pouca densidade populacional, do Pantanal ao Piauí. Vamos perguntar como anda esse projeto?     

quarta-feira, 18 de junho de 2014

Choque cultural no futebol.


Em 1966, em Phoenix, Arizona, num parque público ajardinado, eu marcava o centroavante alemão no meio de campo. O time da Arizona State University (extra-oficial, o soccer ainda não era esporte universitário por lá) enfrentava, pelo campeonato do estado, o time conhecido por Luftwaffe, formado por pilotos alemães em treinamento em uma base aérea próxima. Nosso time estava no ataque, perdemos a bola e fui surpreendido por um chutão pra frente do beque deles. Precisei decidir em uma fração de segundo – não iria conseguir rebater de cabeça e o piloto alemão tinha uma saúde de velocista em olimpíada. Na fração seguinte daquele mesmo segundo levantei o braço e segurei a bola com a mão, como já havia feito dezenas de vezes no Brasil. Para minha surpresa, os torcedores (ainda bem que eram poucos) e os jogadores da Luftwaffe esbravejaram. Meus companheiros faziam de conta que não era com eles. Só eu não sabia que no soccer dos EEUU botar a mão na bola era conduta antiesportiva (uns 20 anos depois a FIFA decidiu que isso merecia cartão amarelo).
Lembrei-me dessa experiência com choque cultural quando vi na capa do New York Times a foto do Fred se esparramando dramaticamente na área da Croácia. Durante a transmissão do jogo pela ESPN os comentaristas e o locutor americanos reagiram indignados: uma desonestidade poderia dar a vitória ao Brasil em um jogo até então difícil. Dias depois não se fala mais do bonito gol do Neymar, nem da bela arrancada do Oscar e seu gol de bico: assunto é a malandragem brasileira. A notícia de primeira página continua no caderno de esportes com foto de Rivaldo fingindo contusão em 2002. O artigo pergunta: será que os jogadores norte-americanos também deveriam aprender a fazer isso e esquecer a cultura do “unsportsmanlike behavior”? 
O próprio jornal afirma que essa regra é tão forte na cultura que controla os jogadores até “inconscientemente”. Isso parece  valer mesmo só dentro do campo de jogo. No futebol americano (o football deles, não o soccer) a faltas têm nomes e são anunciadas pelo sistema de som aos espectadores – “unsportsmanlike conduct” e “unnecessary roughness” (contato desnecessário) são faltas punidas com grande perda de terreno. No beisebol o lançador é severamente punido quando acerta propositalmente uma bolada no corpo do rebatedor, uma forma de tirar o jogador do jogo. Mas lá como cá parece prevalecer aquela vontade de levar vantagem em tudo: feio não é roubar; feio é roubar e não poder carregar. O lançador é muito vigiado para evitar que coloque adições à bola, como goma de mascar, para conseguir trajetórias mais imprevisíveis; por outro lado, só recentemente o doping no beisebol e em outros esportes começou a ser levado mais ou menos a sério. No beisebol e no tênis feminino, por exemplo, o assunto doping só mereceu manchetes depois que o corpo de alguns atletas começou a mostrar efeitos públicos e notórios de hormônios.

Queremos acabar com o “cai-cai”, o espalhafato das quedas teatrais? Cartão amarelo sempre, mesmo que o atacante tenha levado uma botinada na canela. Cartão amarelo e inversão da falta, mesmo que tenha sido penalty. Os atacantes só cairão na área quando derrubados a pescoções.

quinta-feira, 12 de junho de 2014

Como contornar a timidez – faça como os grilos da ilha de Kauai no Havaí.


         Como todos sabem, por definição grilos cantam. Menos nas ilhas havaianas de Kauai e Oahu. Uma mutação genética bem sucedida fez em pouco tempo com que a população de grilos da ilha Kauai fosse, em grande parte, constituída por machos que não cantam. Dois anos depois o mesmo aconteceu com os grilos da ilha próxima, Oahu, provavelmente por alguma forma de comunicação entre as ilhas. A mutação é interessante porque grilo que é grilo garante a reprodução da espécie cantando para atrair a fêmea. Por outro lado, o canto atrai também um predador. Não cantando o grilo tem mais chances de não ser apanhado pelo predador, mas tem mais dificuldade de achar fêmeas. Qual a saída encontrada? Pegar carona com um grilo cantante, a forma mais segura de ter fêmeas por perto. E aborda-las antes que cheguem ao cantante.*
         Qual a moral da história? Junte-se aos bons e será um deles. Se você é um grilo que não canta e por isso não encanta, fique por perto de um grilo cantante.
*  New York times, 3 de junho de 2014, p. D4. Para quem quiser checar: Nathan Bailey no Current Biology.


terça-feira, 20 de maio de 2014

A enésima morte do behaviorismo.


Uma das discussões do recente “I Encontro Brasileiro de Estudantes de Psicologia” na USP referia-se à frequentemente anunciada morte do behaviorismo. A prova de que o behaviorismo não está morrendo é a própria realização desse I Encontro, de vários encontros regionais e locais, das inúmeras JACs espalhadas pelo país e dos grupos behavioristas na internet. Um behaviorista incomoda muita gente, milhares de behavioristas brasileiros incomodam muito mais.
Para seus adversários o behaviorismo é pesadelo recorrente, pois sempre volta a incomodar. Para mim não morre tão cedo, nem vai desaparecer depois de uma altamente improvável vitória total sobre seus oponentes – nesse caso todas as ciências humanas seriam behavioristas e o rótulo perderia o sentido, seria apenas sinônimo de humanas. Afinal, faz pouco mais de um século que Freud puxou o tapete dos racionalistas e furou a bolha do ego como senhor de suas ações. Lembremo-nos que 150 anos depois de Darwin o criacionismo ainda viceja e cria problemas para o ensino de biologia. Teremos ainda uns quinhentos anos até que as fichas (a do Darwin, a do Freud, e a do Skinner) caiam para as ciências humanas.
Não adianta discutir o que fazer para que sejamos aceitos. Incomodamos porque nos comportamos como ciência natural. Alguns analistas do comportamento abandonaram as esperanças nas ciências humanas e apostam na análise do comportamento como ramo da biologia, deixando de lado inclusive a psicologia como a conhecemos.  O futuro dessa aposta é incerto. Até agora a biologia importou nossas técnicas, mas não a teoria.
O cientista especializado em qualquer campo, da biologia celular à poeira das estrelas, quando deixa a proteção de sua teoria é um cidadão como outro qualquer, politicamente de direita, de centro ou de esquerda, religioso ou ateu, machista ou feminista, etc., etc. Vive em ambiente social caracterizado por contingências e regras que evoluíram ao longo de séculos ou milênios. A “agua” em que está “nadando” parece ser incompatível com o “cheiro’ do behaviorismo. Ver


Sobre a pessoa como autora de suas próprias ações, vale a pena ler Richard Rakos:


It is probably not an overstatement to suggest that a libertarian free will notion of human agency, one in which people are seen as authors of their own actions, is the heart of Western religious, philosophical, and legal understandings of moral responsibility  by which Western society articulates its ideas of justice and accountability.”

Mesmo nas hard sciences, nas ciências exatas e naturais, as teorias costumam evitar a questão do livre arbítrio, apesar dos dados e da lógica com os quais trabalham. O grande problema está no fato que esses mesmos cientistas sentem que em sua própria vida o livre arbítrio impera em suas decisões diárias. Para Rakos,


“Neither rational argument nor empirical demonstrations are likely to modify a genetically-based and culturally supported belief in free will that is widely, intimately, and repeatedly experienced and that produces highly adaptive outcomes.”

quarta-feira, 14 de maio de 2014

Mais sobre os peixes, o curral e a guerra: as guerras dos preconceitos.


Já escrevi sobre as contingências sociais que regulam as interações de pessoas em qualquer grupo (uma nação, uma empresa, uma igreja, uma torcida de futebol, uma abordagem da psicologia, uma etnia, etc., etc, etc.).
Os preconceitos oferecem a oportunidade de ver como funcionam esses controles em qualquer sociedade. O exemplo do jovem americano que desiste de fugir para o Canadá tem vários paralelos, como o garoto que não ajuda um colega vítima de bullying por medo de seus colegas que comandam o bullying, ou do torcedor que não faz nada quando seu amigo chama um jogador de macaco. Nos três casos, e em inúmeros outros casos que poderiam ser citados, estão em jogo as contingências sociais  em vigor no grupo ao qual a pessoa pertence e que determinam o que é incentivado e o que é punido. Reforçamos a permanência do preconceito quando nos omitimos. Os prejuízos para as vítimas são sérios; não os ver é parte da omissão (não sentimos “o cheiro do curral”, não percebemos a “agua”).
O New York Times de 7 de maio de 2014 traz na capa matéria sobre a Ministra Sonia Sotomayor do STF americano (Supreme Court) de ascendência “latina” (um termo geralmente usado para designar pessoas que falam espanhol e não são brancas) mas americana de várias gerações. A ministra estudou beneficiada pelo sistema de cotas nas universidades. Falando dessa experiência afirmou: “Raça é importante pelas indiferenças, pelos risinhos desrespeitosos, pelos silêncios que te julgam, os quais reforçam o sentimento que incapacita: “Este não é o meu lugar”. Apesar disso a Ministra Sotomayor é favorável à manutenção das cotas nas universidades. Já o Ministro Clarence Thomas, um negro também beneficiado por esse sistema na universidade, é contra: “Quando negros ocupam um lugar de destaque no governo, na iniciativa privada ou na universidade, sempre fica a dúvida sobre que papel sua cor teve nos critérios de escolha” – uma questão que parece perseguir nosso Ministro Joaquim Barbosa no STF: se não fosse negro chegaria aonde chegou?
                Leis como a da ação afirmativa são importantes, assim como as leis que definem o racismo como crime, mas nada vai mudar se não forem respeitadas, se não houver fiscalização. Nos casos do racismo, do tratamento dispensado ao diferente, da perseguição ao mais fraco, o combate não pode ser deixado apenas aos agentes do Estado. Depende de cada um de nós. Por isso as ongs são importantes, ao canalizar esforços individuais para mudar, a médio e longo prazos, as contingências sociais que prevalecem.



quinta-feira, 8 de maio de 2014

Como saber do que fugimos?


Uma das áreas de estudo mais difíceis é a do controle coercitivo ou aversivo: o que fazemos para evitar ou fugir de situações, de pessoas, ou até (ou principalmente) de nossos próprios pensamentos. Ao contrário de situações que desejamos,  facilmente identificadas quando conseguimos o que buscamos, as que envolvem fuga e/ou esquiva podem ser de difícil entendimento. Na clínica é comum o terapeuta detectar que a pessoa está evitando falar ou mesmo lembrar-se de um assunto, mas leva tempo para que esse assunto venha a aparecer nos diálogos terapêuticos.
         Esse processo é visto de diferentes maneiras por diferentes abordagens da psicologia clínica, das que postulam causas remotas na história de vida da pessoa às que deixam esse assunto de lado e se concentram em como a pessoa vê seu presente. A interpretação dada pela Análise do Comportamento se baseia em informações obtidas em experimentos de laboratório e em observação do que acontece no ambiente natural, inclusive na clínica e na relação terapeuta-cliente.
         Em artigo publicado no Journal of the Experimental Analysis of Behavior de 1984 Deisy das Graças de Souza, da Universidade Federal de São Carlos, Antonio Bento Alves de Moraes, da Unicamp,  e João Claudio Todorov da Universidade de Brasília demonstraram que a manutenção do comportamento de esquiva independe da intensidade do estímulo aversivo sendo evitado. Há um limiar de intensidade, abaixo do qual a situação não gera fuga nem esquiva; acima desse mínimo, aumentos na intensidade são desnecessários. O comportamento é mantido regularmente mesmo com intensidades logo acima do limiar, e a situação indesejável raramente acontece.
         Outros experimentos importantes para entender o comportamento de esquiva foram publicados na década de 50 do século passado na revista Science, pelos analistas do comportamento Murray Sidman e E. Hearst.  Comprovou-se em laboratório o que a sabedoria popular guardou em ditados como “Cachorro mordido de cobra tem medo de linguiça” e “Gato escaldado tem medo de água fria”: qualquer situação levemente parecida com aquela em que se viveu alguma experiência dolorosa (mesmo que a dor tenha sido sentida só na “alma”) gera fuga e esquiva. Não só fugimos, passamos a evitar.
         Quando a interação comportamento-ambiente de interesse envolve estímulos externos (como a cobra e a linguiça) o trabalho do terapeuta é facilitado. Quando nem a pessoa sabe o que a incomoda a terapia requer muito mais esforço, conhecimento e experiência do terapeuta . Por isso dizemos que a psicoterapia muitas vezes assusta quem a procura. Só é possível perder o medo do indizível falando daquilo que o esconde. O processo pode ser doloroso. Talvez por isso tenhamos a tendência de fugir ou evitar a terapia.
         Há uma piada antiga sobre um louco no hospício que vivia a estalar os dedos. Perguntado por que fazia isso respondia que era para espantar os elefantes. Ao ouvir que não havia elefantes no Brasil, os mais próximos estavam  na África, respondia: “Viu como funciona!”. Por um lado, a piada é um bom exemplo de comportamento de esquiva. O comportamento ocorre sem         que haja consequência imediata, ocorre e nada acontece. Por outro lado é ruim, pois nosso herói sabe por que faz isso. O xis do problema está em descobrir por que alguém estala os dedos ou algo equivalente quando a própria pessoa não sabe por quê.

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Hearst, E. (1960). Stimulus generalization gradients for appetitive and aversive behavior. Science, 132, 1769-1770.
Souza, D. G., Moraes, A. B. A., & Todorov, J. C. (1984). Shock intensity and signaled avoidance responding. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 42, 67-74.



segunda-feira, 28 de abril de 2014

Autocontrole é só controle, e tudo é controlado.

Encontram-se na literatura sobre análise do comportamento referências ao termo autocontrole que associam o conceito a processos os mais diversos: procrastinação, obesidade, impulsividade em crianças, cuidados de saúde, entre vários outros. Em outras abordagens da psicologia o termo tem vários significados: força de vontade, capacidade para manter o equilíbrio emocional, para controlar os impulsos, para decidir sobre a própria vida, etc.
Na linguagem diária usamos o termo com esse sentido de força interior, compatível com as teorias da psicologia cognitiva, mas incompatível com a análise do comportamento, que não usa um agente interior para explicar o comportamento. É importante notar que a análise do comportamento não trabalha só com observáveis. Como já escrevi em outro texto:
O que é comportamento? Tudo o que a pessoa faz que possa ser analisado, inclusive o que ela diz, o que ela pensa, o que ela fala para si mesma, inclusive o que ela fala sobre o que pensa.
O que penso antes de decidir não é explicação, é parte do comportamento a ser explicado. Como qualquer comportamento, pensar é escolha, examinar as alternativas não ocorre no vácuo.
 Autocontrole não é conceito da análise do comportamento. Esse “auto” sempre vai ter conotação mentalista. Muitos dos exemplos citados são processos diferentes, envolvendo diferentes variáveis. Se vamos incluí-los na rubrica “autocontrole”, então todo comportamento operante é exemplo de “autocontrole”.
Não postulamos forças interiores maiores ou menores para explicar essas escolhas. Como bem escreveu Baum recentemente, o organismo é o local onde ocorrem as interações comportamento-ambiente. E é isso que estudamos, experimentalmente ou não. Todos os experimentos que dizem estudar o autocontrole no laboratório usam algum procedimento de escolha entre pelo menos duas variáveis. Não há como fugir da literatura sobre escolhas e preferências dos últimos 60 anos alegando implícita ou  explicitamente que “com gente é diferente”



quinta-feira, 10 de abril de 2014

Chomsky e sua sombra: já nascemos com a estrutura da língua que ainda vamos aprender?


O jornal Correio Braziliense de 09 de abril corrente traz em sua página de ciência artigo de divulgação da jornalista Roberta Machado com o título “Receita linguística” e chamada “Experimento feito na Inglaterra reforça a teoria de que vários idiomas criados pelo homem obedecem a alguns padrões universais”. Este texto poderia começar de outra forma não fosse a afirmação da jornalista:
O conceito de uma gramática universal surgiu há mais de oito séculos, mas só ganhou força a partir da década de 50, com a publicação de trabalhos de Noam Chomsky. Esse filósofo e linguista enfrentou o pensamento behaviorista ao defender a ideia de que toda pessoa nasce com a habilidade inerente de aprender qualquer língua no mundo.”
A reportagem cita declaração de Ana Paula Shcer, professora do Departamento de Linguística da Universidade de São Paulo (USP):
Há fatos ainda mais simples que confirmam a existência de uma linguagem universal. Uma forte evidência é que, aos 3 ou 4 anos, uma criança saudável já adquiriu sua língua materna: trata-se de um sistema muito complexo, adquirido muito rapidamente.”
Sobre o experimento base do artigo da jornalista, pesquisadores ingleses mostraram a predominância de adjetivos sobre numerais e sobre demonstrativos em voluntários ingleses que participaram do trabalho, e afirmam que isso é demonstrado em várias línguas do mundo (mas não em todas). Atribuem isso à genética. Haveria uma gramática universal que herdamos (e os que falam as línguas que são exceções? Herdaram o quê?).
Não é necessário postular a herança de toda uma gramática. O que a Análise do Comportamento tem mostrado é que aprendizagens baseadas em características de estímulos físicos são mais fáceis e são aprendidas antes que aprendizagens baseadas em relações entre estímulos (como “maior que” ou “menor que”) ou entre comparações entre múltiplos aspectos do ambiente (numerais, demonstrativos). A aquisição rápida de repertórios é demonstrada há décadas por pesquisas sobre relações de equivalência, área em que quatro universidades brasileiras se destacam internacionalmente: UnB, USP, e Universidades Federais de São Carlos (UFSCar) e do Pará (UFPa).
Ninguém questiona a ideia de que nascemos com habilidades para aprender, mas não é necessário levantar a hipótese de que nascemos com o cérebro pronto para aprender a língua. Uma regra importante em qualquer ciência é a de que entre duas explicações, ficamos com a mais simples. Não há dúvida que nascemos com habilidades inerentes ao aprendizado da língua. Milhões de anos de evolução da espécie humana nos legaram um sistema nervoso e estruturas anatômicas característicos do homem. Mas ao nascer ainda não temos prontos nem o sistema nervoso nem as estruturas anatômicas. A criança de três anos que domina a gramática da língua materna tem três anos de aprendizagem baseada no que herdou dos antepassados, mas a direção do que vai aprendendo depende muito das interações que tem com seu ambiente, a começar por sua vida no útero.


Nenhum behaviorista, nem Watson, postulou que o organismo é uma folha em branco para um texto escrito pelo ambiente. Esse é um boneco de palha levantado por aqueles que são felizes por não saberem que não sabem. Não é daí que vem uma rejeição de uma gramática universal pronta e acabada que a genética nos daria.

Ao nascer o bebê humano é em grande parte uma incógnita. Só não é um desconhecido total porque são notórias as principais características da espécie. Sabemos que são pequenas as probabilidades de vir a ter mais de 2,20 ou menos de 1,50 metros de altura, que seu peso manterá alguma relação positiva com sua altura, é bípede, mas levará algum tempo para ficar em pé, aprenderá a falar, mas para isso vai depender de ajuda e incentivo. Para sobreviver vai depender da mãe para alimentá-lo e garantir proteção, sua mera presença um sinal de segurança.
Em maior ou menor grau todo bebê humano nasce preparado para uma ligação especial com quem o protege e alimenta, a mãe, ou cuidador (a). A voz da mãe já ouvia antes de nascer, um som que vai fortalecer o apego. O traçado do rosto humano é outra característica do ambiente que nasce “familiar” - o bebê não reage a faces como estímulos novos. O leite materno tem tudo o que precisa, e a sucção do seio nem tem que ser deliberada – o reflexo já vem pronto.
Várias dessas características nem são privativas dos humanos. Mamíferos, especialmente primatas, têm muitas das características que gostamos de acreditar que sejam exclusivamente humanas. No caso dos cangurus os filhotes são até mais indefesos que os nossos bebês – entre nascer e estar no mundo passam meses dentro da bolsa de sua mãe, com acesso às mamas e à vista do que se passa lá fora. Os macaquinhos agarram-se reflexamente aos pelos da mãe, um reflexo que seus “primos” humanos perderam, sobrou apenas um resquício que costumamos observar em visita ao pediatra.
Ainda há muito a ser estudado na interação herança-ambiente. Postular que estruturas cognitivas já vêm prontas não é postura de uma ciência natural. O que já sabemos é que a quantidade e a qualidade das interações da criança até os três anos são fundamentais para seu desenvolvimento posterior. Ações governamentais para assistir crianças nascidas em famílias de baixo nível socioeconômico são inócuas quando começam apenas quando a criança já tem três anos.

A  teoria da gramática universal biologicamente herdada é tão disseminada que até os leigos a usam. Ao comentar que tanto meus netos brasileiros quanto os americanos passaram pela fase de regularizar verbos (o último exemplo vem do Luca, o caçula, dizendo para mim:”Mommy buyed a ball for me”), ouvi a explicação: olha aí uma prova da gramática universal do Chomsky. Dá vontade de perguntar: Já ouviram falar em generalização?

David C. Palmer publicou recentemente o artigo "The role of atomic repertoin complex behavior" na revista The Behavior Analyst, 2013, 35, 59-43. Recomendo a quem quiser ler mais sobre o assunto.