sexta-feira, 27 de outubro de 2017

Bullying – o que acontece na escola fica na escola?

Bullying – o que acontece na escola fica na escola?  Fica. Na maioria dos casos ninguém fica sabendo, só os diretamente envolvidos. Se os professores não ligam e os pais não percebem, a vítima da agressão continuada é quem vai levar os resultados vida afora. Tragédias esporádicas chamam nossa atenção para a prática, mas exatamente por (ainda) serem esporádicas no Brasil logo saem das manchetes e mesmo das pequenas notícias. Parece que nada atinge a rotina dos porões nefastos da Fortaleza da Educação, instituição milenar com estruturas e rotinas cristalizadas. Dizem que tudo que é sólido desmancha no ar, mas quem afirma isso não conhece a rotina de nossas escolas – nada é mais sólido e eterno que o ambiente de coerção.

            Em artigo de 27 de outubro deste ano Luiz Gonzaga Bertelli publicou no jornal Correio Braziliense o artigo “O desprezo pelo bullying” abordando o descaso da sociedade no que se refere ao assunto. Os números das pesquisas de IBGE e FIPE são assustadores – ocorrências de bullying estão aumentando. Ressalto do artigo o contraste de duas definições de bullying, a oficial e a mais direta. Pela oficial bullying é ato de violência física ou psicológica, intencional e repetitivo, praticado por um indivíduo ou grupo de indivíduos, executado em relação desigual de poder, causando dor e angústia, deixando sequelas na pessoa atingida. A mais direta é a tradução da definição da palavra inglesa: machucar ou ameaçar alguém mais fraco ou força-lo a fazer algo que não quer.

            O que levaria crianças a se reunirem para agredir outra criança? A pesquisa da FIPE, segundo Bertelli, aponta para posturas preconceituosas: negros (19%), pobres (18%), homossexuais (17%) mulher (11%), deficiente físico (8%), deficiente mental (8%). A vítima pode ser escolhida por outros motivos, que em geral caracterizam alguém diferente: o melhor aluno disparado, o aluno que foi elogiado pelo professor, o mais gordo ou o mais magro, etc., especialmente quando é minoria de um só.

Divertir-se com o sofrimento do mais fraco é mais antigo do que se pensa. Não é que a humanidade está piorando quanto a isso – há quinhentos anos os reis da França se reuniam com a família real em praça pública para usufruir com o povo o sofrimento de gatos queimados vivos em fogueiras (quando não havia feiticeiras para queimar). Sem dúvida temos progredido e muito no combate à coerção, na família e no trabalho, e menos na escola, mas castigos físicos já são oficialmente proibidos. Mas foram necessárias décadas de ativismo do movimento feminista para garantir que maridos violentos fossem punidos, por exemplo. Parece que há uma regra geral que reconhece o direito do mais forte abusar do mais fraco.

            Regras gerais são relações condicionais que caracterizam sociedades, grupos ou organizações e definem sua cultura. Desenvolvem-se ao longo de séculos, transmitidas e mantidas de geração em geração, e por isso são difíceis de mudar, pois são os transmissores que morrem, não as regras. Se não prejudicam a sobrevivência do grupo essas regras podem perdurar por inércia; foram úteis há milhares de anos, quando agredir os diferentes serviu para que os primeiros grupos humanos sobrevivessem em detrimento dos menos agressivos. A agressão em crianças pode ter a ver com práticas culturais de preparação de repertório, brincadeiras de faz de conta que são vistas também em filhotes de outras espécies, como os leões – as brincadeiras funcionam como preparativo para caçar em grupo quando adultos para obtenção de alimento.

Por isso mudar essas regras não é fácil, mas esse trabalho não é impossível. Sabemos muito mais sobre o comportamento humano hoje do que há cem anos. Progredimos muito no entendimento dos efeitos perniciosos da punição e de ambientes hostis – e a escola é o melhor exemplo de ambiente hostil, perde apenas para o presidio, sua instituição irmã.

            Especialmente na periferia das grandes cidades as escolas agridem já pela arquitetura, agredidas que foram pelo tempo e pelo descaso na manutenção. Alunos nascidos em famílias que seguem regras tradicionais, muito baseadas em controle punitivo (criança é a última a falar e a primeira a apanhar) chegam e são recebidas por funcionários e às vezes professores que são regidos pelas mesmas regras. O controle aversivo da escola é a continuação do ambiente de casa. É o ambiente perfeito para promover o comportamento agressivo e potencialmente delinquente que vai aparecer principalmente na adolescência – quando aparecem mais as transgressões e os suicídios.


            Não se muda uma sociedade sem primeiro mudar a educação das crianças. Tanta gente já escreveu isso que já não sei mais quem citar primeiro. Nós analistas do comportamento temos muitas sugestões baseadas em pesquisas, observações, intervenções planejadas, mas não é o caso de começar a abordá-las aqui. Basta terminar com uma afirmação: nada vai mudar enquanto a escola não for um ambiente acolhedor.


http://jctodorov.blogspot.com.br/2017/07/definicao-de-ambiente-acolhedor-partir.html




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