terça-feira, 11 de setembro de 2018

De onde vem o “Eu” de Skinner?



De onde vem o “Eu” de Skinner?
Da filosofia e da literatura, como por exemplo de textos como os dois a seguir. Um exemplo de como na psicologia os processos não são´inventados, são descobertos. Várias abordagens podem se dedicar a estudar um mesmo processo usando pressupostos, ferramentas e linguagens diferentes. Uma Análise do Comportamento que define comportamento como a interação Organismo-Ambiente é incompatível com o tratamento dado por Skinner à personalidade como um sistema organizado de respostas, pois isso significaria apenas um sistema por organismo. Estudamos interações comportamento-ambiente e relações condicionais. 

João Carlos Firmino Andrade de Carvalho, “Cultura e Literatura: Intervenções”. Lisboa: CLEPUL, 2018.

“Reflectir sobre as representações da figura do Estrangeiro conduz-nos, quase necessariamente, a uma abordagem da problemática da identidade e da alteridade, das relações e limites equacionáveis entre o Mesmo e o Outro. O Estrangeiro (ou o Outro) teve várias configurações, em termos espacio-temporais: o Bárbaro, para os gregos da Antiguidade; o Forasteiro, para as sociedades tradicionais (não necessariamente primitivas); o Inimigo ou o Mal / o Demoníaco, para a Cristandade; o Eremita ou o Peregrino, para os mais dados ao convívio humano ou para os menos inclinados para as coisas do espírito; o Diferente / Exótico, para a era moderna inaugurada pelos Descobrimentos; o viajante europeu Cosmopolita, para as sociedades fechadas sobre si mesmas; o Libertino, para a moral conservadora; o Exilado e o Desenraizado (lembremo-nos de O Estrangeiro de Albert Camus, 1942); o Imigrante, para as sociedades europeias modernas e pós-modernas, etc. A problemática do Estrangeiro requer que reconheçamos dois planos: o plano da alteridade exterior (ou seja, o plano do “Nós e os Outros”, título de um célebre livro de Tzvetan Todorov [Todorov, 1989]) e o plano da alteridade interior (ou seja, o plano do “Je est un autre” de Arthur Rimbaud ou o do “Étrangers à nous-mêmes”, título do não menos célebre livro de Julia Kristeva [Kristeva, 1988], ou ainda o do Inconsciente de Freud). Estes dois planos, porém, não são estanques, como bem sabemos. “
Todorov, T. (1993). Nós e os outros: a reflexão francesa sobre a diversidade humana. Tradução de S. G. de Paulo. Rio de janeiro: Zahar.

Todorov, T. (1989). A conquista da América.  A Questão do Outro. Tradução de Beatriz Perrone Moi. São Paulo: Martins Fontes 2ª edição.
https://s3.amazonaws.com/academia.edu.documents/33775623/A_conquista_da_America_A_Questao_do_Outro_-_Tzvetan_Todorov.pdf?AWSAccessKeyId=AKIAIWOWYYGZ2Y53UL3A&Expires=1536678573&Si
gnature=wmuLSutmPbusuI%2BTLJg9mIU6R4Y%3D&response-content-disposition=inline%3B%20filename%3DA_conquista_da_America_A_Questao_do_Outr.pdf


“Quero falar da descoberta que o eu faz do outro, o assunto é imenso. Mal acabamos de formulá-lo em linhas gerais já o vemos subdividir-se em categorias e direções múltiplas, infinitas. Podem-se descobrir os outros em si mesmo, e perceber que não se é uma substância homogênea, e radicalmente diferente de tudo o que não é si mesmo; eu é um outro. Mas cada um dos outros é um eu também, sujeito como eu. Somente meu ponto de vista, segundo o qual todos estão lá e eu estou só aqui, pode realmente separá-los e distingui-los de mim. Posso conceber os outros como uma abstração, como uma instância da configuração psíquica de todo indivíduo, como o Outro, outro ou outrem em relação a mim. Ou então como um grupo social concreto ao qual nós não pertencemos. Este grupo, por sua vez, pode estar contido numa sociedade: as mulheres para os homens, os ricos para os pobres, os loucos para os "normais ". Ou pode ser exterior a ela, uma outra sociedade que, dependendo do caso, será próxima ou longínqua: seres que em tudo se aproximam de nós, no plano cultural, moral e histórico, ou desconhecidos, estrangeiros cuja língua e costumes não compreendo, tão estrangeiros que chego a hesitar em reconhecer que pertencemos a uma mesma espécie. “

quarta-feira, 29 de agosto de 2018

Contexto, comportamento e consequência


Para que serve a pesquisa básica em psicologia?
                Serve no mínimo para introduzir os alunos à teoria necessária para o exercício da profissão. Serve também para construir, reformar e reconstruir a teoria. Uma teoria nos dá lentes especiais para olhar para o mundo. O psicólogo Jon Bailey relata uma observação que fez enquanto a escada rolante o levava de um andar ao outro em uma estação ferroviária. Ao pé da escada uma criança puxava o casaco da mãe e a chamava, em voz cada vez mais alta, enquanto a mãe falava ao telefone. Sem pensar, o analista do comportamento já diz para seus botões: lá vai em andamento uma modelagem de birra. Técnicas para modelar respostas novas (isto é, para ensinar) foram desenvolvidas com pombos e depois aperfeiçoadas para aplicação geral, tanto na educação quanto na clínica, mas as relações condicionais responsáveis pelo processo existem no ambiente natural desde o início dos tempos.
                Já escrevi que para entender um comportamento é preciso considerar o ambiente físico em que ocorre (o local), o ambiente social (as pessoas em volta), o que está correndo internamente no organismo e a história daquela interação comportamento-ambiente. Um experimento com pombos mudou completamente a teoria como vinha sendo desenvolvida por Skinner ao mostrar que a relação comportamento- consequência é sempre modulada pelo contexto. Sem informações sobre o contexto (que inclui os ambientes interno e externo) não é possível nem prever nem controlar.
                Sobre o efeito da história redescobri recentemente um experimento simples, feito em 1977 no México, no laboratório de Coyoacan da UNAM, e publicado em 1982. O experimento mostra que o que é considerado estado estável de um comportamento depende da história do organismo naquela situação. O experimento mostra que é possível aumentar o tempo dedicado a uma tarefa evitando reforços para aquela tarefa nos primeiros segundos depois de uma pausa.
                Posso pensar em aplicações práticas dessa observação, mas gostaria de receber sugestões de meus leitores, seja pelo blog, seja por mensagem no Facebook. Comentarei cada sugestão.

https://www.academia.edu/37289797/Delay_of_reinforcement_for_responses_which_end_pauses_effects_on_response_rates.pdf



domingo, 3 de junho de 2018

Polícia é para quem precisa de polícia.



As agências de controle social, no sentido skinneriano do termo, controlam as relações condicionais que regulam a vida em sociedade, em grande parte por controle aversivo, por meio de ameaças (avisos da intenção de punir) e de punições de fato, como multas e/ou restrição de liberdade. Comportamentos perigosos para o equilíbrio das interações entre pessoas e entre instituições são estritamente vigiados. Uso de violência, por exemplo, é privativo do Estado, por meios bem definidos em leis. Quando uma prática cultural precisa ser mudada o aparato policial entra em cena e rapidamente todos estamos usando cinto de segurança, só fumamos em lugares permitidos, não bebemos quando vamos dirigir, etc. O Estado também diz (mas só da boca para fora) que outras práticas culturais também precisam ser mudadas, como os comportamentos que definem o racismo, mas aí a abordagem é bem mais frouxa. Entram em cena os especialistas em mudar “os corações e as mentes” dos racistas.

                Resolvi escrever depois de ler artigo no New York Times assinado por um professor de direito, P. A. Goff, sobre o dia de treinamento promovido pela rede Starbucks. Para compensar a publicidade negativa que teve quando seus empregados chamaram a polícia porque dois negros estavam sentados em uma das mesas sem ter comprado nada - foi notícia no mundo inteiro – a Starbucks reagiu com um gesto sensacional: fechou todas as suas mais de 8 mil lojas em um mesmo dia para um treinamento sobre como evitar o viés racista. A iniciativa da empresa foi muito elogiada, mas o Professor Goff chama a atenção para o fracasso dessas iniciativas quando tomadas isoladamente. No lugar de sessões de treino a Starbucks poderia ajudar com verbas a iniciativas que ofereçam opções para a solução de conflitos que não sejam a polícia. Nos Estados Unidos as pessoas telefonam para o número 911 e o atendente decide, pelo tipo de situação, se manda os bombeiros ou a polícia. O caso da loja de Philadelphia poderia ter sido resolvido por grupos de assistentes sociais treinados para mediar conflitos, como existem na California. Se você chama a polícia o caso vai ser abordado como policial.

                Gastar um dia treinando 175.000 empregados e acreditar que isso resolve o problema só tem sentido na convicção dos patrões e na crença arraigada em nossa civilização cristã ocidental de que o mal mora no coração e nas mentes dos homens. Maneiras de extrair de lá esse mal variaram de fogueiras a terapias, passando por exorcismos. Continuar por esse caminho é parecido com a situação do bêbado que procurava suas chaves aproveitando a luz do poste – sabia que não era lá que tinha perdido as chaves, mas tinha que aproveitar porque ali era possível ver o chão. Pois nós sempre achamos que educação resolve tudo, então vamos reeducar as pessoas para deixarem de ser racistas.

                Vejamos o que escreveu Philip Goff sobre isso:

“A questão não é como educar as pessoas, é como mudar as situações de maneira que o medo provocado por negros ou o desapreço por eles não provoque uma resposta agressiva. E mudar situações se consegue com políticas. Historicamente isso é que o país tem feito quando a questão da discriminação racial é levada a sério. ”
               
A mobilização política que produziu a integração racial nas escolas levou a decisão à Suprema Corte, no processo Brown vs Board of Education. E a decisão foi de que aquele comportamento era inaceitável. Não foi “Por favor, mudem sua mente”. Da mesma forma, foram mudanças na legislação, forçadas por movimentos populares, que proibiram a discriminação de gênero nas escolas, e levaram à proteção de pessoas com deficiências. A lei levada a sério muda comportamentos, propaganda não muda nem a mente.


quinta-feira, 3 de maio de 2018

A lei como instrumento do poder, não da justiça.



            No ideal democrático a sociedade é “gerenciada” por três poderes que se equivalem: legislativo, executivo e judiciário. O legislativo aprova as leis, regras que especificam relações condicionais entre comportamentos e consequências visando estabelecer interações satisfatórias entre os cidadãos e em seu benefício. O executivo é encarregado de manter todos informados sobre essas regras e a garantir que as consequências programadas ocorram de acordo com a lei. O judiciário deve manter um olho no peixe, outro no gato: garantir que legislativo e executivo também se comportem dentro da lei. Um sistema de “checks and balances” existe para evitar que qualquer poder invada as competências dos outros dois. O judiciário pode anular decisões do executivo e do legislativo, o executivo pode vetar leis aprovadas pelo legislativo, e o legislativo pode aprovar o impeachment do executivo e do judiciário.

            Na democracia a lei deve servir à justiça, um conceito que se refere a um estado ideal de interação social em que há um equilíbrio razoável e imparcial entre deveres e oportunidades das pessoas. Que essa democracia ideal é um horizonte a ser buscado se comprova com a atual onda mundial de propostas de governo autoritárias que não acionam o sistema de pesos e contrapesos, como o presidente da república (em alguns países) que faz obstrução da justiça e nada acontece. O jornalista   do New York Times de ontem chama isso de a lei a serviço do poder (característica das ditaduras), não da justiça.
            O desequilíbrio entre os poderes pode ser visto em outros sistemas moleculares de interação, como a família ou a escola. Agências de controle podem mostrar abusos de poder por desvios no exercício de seu poder. No caso das famílias, a própria existência de um Estatuto da Criança e do Adolescente que regulamenta os deveres dos pais é comprovação da necessidade, em todos os níveis, de sistemas de pesos e contrapesos, de “checks and balances”, para garantir o desenvolvimento saudável e a adequada formação de cidadãos.




segunda-feira, 5 de março de 2018

Trends in Behavior Analysis, volumes 1, 2 e 3.








https://www.academia.edu/35989…/TrendsBehaviourAnalysis3.pdf


https://www.academia.edu/34673190/TRENDS_IN_BEHAVIOR_ANALYSIS_VOLUME_2_Trends2vFinal24set17red.pdf


Some old and new trends in Brazilian Behavior Analysis. João Claudio Todorov, Universidade de Brasilia, Brazil
Brazil has the largest number of undergraduate professional courses in Psychology in the world, so far more than 220. Of those, most offer Behavior Analysis courses, some only introductory disciplines, others a full training including practical work in the field. About 30 universities offer graduate courses, both basic and applied, with 15 of them leading to the PhD. This volume of activity, production and spreading of knowledge, has been going on for 55 years, since Professor Fred S. Keller went to the University of Sao Paulo as a Fulbright Scholar in 1961. Everything considered, Brazil is second only to the United States of America in both number of researchers and of publications on Behavior Analysis. All that notwithstanding, Brazilians are underrepresented in citations. That is understandable when we publish in Portuguese. Only people in Portugal (Europe), Angola, Mozambique, Cabo Verde (Africa), Timor East, Goa and Macau (Asia) can read what we publish in our common language (for the Asians, usually their second language). But Brazilians are also underrepresented even when publishing in English in major Behavior Analysis periodicals and books published in the US. Even Brazilian authors publishing there under cite Brazilian researchers. Citing is behavior, under the influence of all variables that influence choice. Having no way of directly control the environment of authors, we can at least enrich that environment. Trends in Behavior Analysis, Volumes 1, 2 and 3 are offered online, for download, as an opportunity to make the Brazilian production available internationally


Os três volumes do livro Trends in Behavior Analysis, download gratuito, incluem temas como
Alienação parental
Análise do Comportamento e Direito,
Comportamento governado por regras
Comportamento verbal de ordem superior
Conservação e transformação de práticas culturais
Controle de estímulos no comportamento verbal
Criatividade e insight
Encadeamento e classes ordinais
Ética e comportamento
Método e teoria em análise do comportamento
Mudanças em práticas culturais
Psicoterapia analítico-comportamental
Recorrência de respostas após extinção
Sustentabilidade
Violência doméstica
E autores como Andery, Banaco, Bentes, Benvenuti, Dittrich, Galvão, Glenn, Gomide, Haydu, Houmanfar, Hubner, Hunziker, Malott, Muchon, Paracampo, Sandaker, Todorov, Tourinho, Vasconcelos, Verdu, Zamignani e outros não menos conhecidos.

domingo, 18 de fevereiro de 2018

Seleção cultural e seleção de culturas.



                Em uma visão skinneriana do behaviorismo qualquer comportamento humano resulta sempre de três níveis de seleção por consequências: a pessoa existe como resultado de seleção de genes na história de espécie humana (seleção filogenética), é socializada para a vida em grupo segundo um conjunto de regras selecionadas na história da cultura do grupo (seleção cultural), e adquire seu repertório por meio das interações com seu meio ambiente ao longo da vida (seleção ontogenética). Logo, o que é selecionado no nível cultural não é um determinado comportamento: a história daquele grupo selecionou as regras (contingências ou relações condicionais) a serem usadas pelas agências de controle para a modelagem e manutenção de comportamentos.

                Dizemos que certos comportamentos são práticas culturais quando são frequentes e comuns a várias pessoas e/ou perduram por gerações. São práticas culturais, mas pertencem ao segundo nível de seleção, ontogenética ou comportamental. São comportamentos específicos que dependem das consequências contingentes à sua específica emissão. A regra para reforçar ou não é geral, cultural, mas a consequência é particular, depende do comportamento da referida pessoa.


Seleção cultural ou seleção de culturas?

                Seleção cultural envolve comportamento de pessoas; seleção de culturas é a seleção das regras (contingências ou relações condicionais) que orientam a ação das agências de controle. Não deveriam ser usados como sinônimo.

Seleção cultural se refere à seleção de comportamentos de acordo com regras vigentes no grupo. Em nossa cultura a criança pode ser elogiada por lavar as mãos antes de sentar-se à mesa ou pode ser proibida de comer enquanto não for lavar as mãos, por exemplo. Há mil anos não só não havia o hábito de lavar as mãos antes das refeições; comia-se levando os alimentos à boca com as mãos.

Mudanças no ambiente costumam ser responsáveis por alterações nas regras que caracterizam uma cultura. Comer com talheres foi um hábito que chegou à Europa por Veneza, vindo da Grécia, mas levou séculos para ser adotado em todos os países. Lavar as mãos levou mais tempo para ser adotado, só muito depois da comprovação científica da transmissão de doenças por contato físico. Atualmente o hábito pode estar se perdendo. Em grandes cidades cada vez mais pessoas comem nas ruas, nos food trucks, ou em praças de alimentação do shopping, sem pia para lavar as mãos a menos de cinquenta metros. Já imaginaram todas as crianças em filas no único banheiro do andar naquele shopping, esperando para lavar as mãos?

                Mudanças na cultura, portanto, podem ser causadas por mudanças em práticas culturais de pessoas. O jogo Tragédia dos Comuns1 ilustra as possibilidades de mudanças nas regras seguidas pela agência de controle causadas pelo comportamento das pessoas que competem por um bem comum. Considere um pasto comunitário, usado por agricultores que aí colocam suas reses para pastar. Quantas cabeças colocar, tanto seu lucro. Se cada agricultor aumentar seu rebanho indefinidamente, o pasto acabará, não haverá condição de renovação permanente que a pecuária exige. Não há “mão invisível do mercado” que resolva isso. É do interesse de todos que alguma agência de controle, aceita por todos, regulamente o uso do pasto comum. Elinor Ostrom2 tem um excelente trabalho com dados sobre a evolução das agências de controle.


Elinor Ostrom, Governing the Commons: The Evolution of Institutions for Collective Action, 32 Nat. Resources J. 415 (1992). Available at: http://digitalrepository.unm.edu/nrj/vol32/iss2/6.





segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

O governo como agência de controle (no sentido skinneriano).


                O conjunto de relações condicionais que regulam as interações comportamentais em uma sociedade caracteriza sua cultura. Essas relações condicionais podem abarcar a sociedade como um todo ou partes da sociedade, e são elas mesmas reguladas por agências de controle, especializadas por tipo de interação ou por vários outros critérios de desempenho:

1.       A família é a agência encarregada dos relacionamentos pais/filhos, e atua primariamente na construção de repertórios dos jovens que garantam sua inserção na sociedade quando adultos.

2.       A escola continua o trabalho de socialização iniciada pela família e deve preparar os jovens para o trabalho e para o convívio harmonioso na sociedade.

3.       Os grupos de amigos também funcionam como agências de controle, comunidades verbais selecionadoras de práticas culturais.

4.       A religião contribui para a estabilidade das relações comportamentais principalmente pelo uso do comportamento verbal, palavras que adquirem o poder de reforçar ou punir comportamentos pelo emparelhamento com promessas baseadas em fé.

5.       Os processos psicoterápicos são necessários, e funcionam como agências de controle, sempre que os controles exercidos por outras agências são excessivos ou inconsistentes (Skinner, 1953, cap. XXIV).

6.       Governos são as maiores agências de controle em todas as sociedades, com o papel de regular a ação de todas as outras agências, da maneira como os pais tratam os filhos,  o que deve ser ensinado nas escolas, e até onde pode ir o controle exercido pelas igrejas e como deve atuar o profissional psicoterapeuta.



A origem do poder de reforçar e punir.



Práticas culturais são mantidas por contingências sociais que prevalecem em um determinado grupo, sociedade ou organização. Adquirimos comportamentos que serão mantidos por contingências sociais por meio de interações que envolvem agências controladoras, como a família, por exemplo. É um processo tão longo e tão suave que o controle por consequências não é facilmente percebido.

       Você não escolheu nascer, mas mesmo assim é premiado pela escolha: a espécie humana te dá um repertório inicial. Sugar o seio materno é o primeiro exemplo de comportamento reflexo que se transforma em operante. É também um primeiro exemplo de interação mantida por benefício mútuo. Se o bebê não suga, a mãe sofre com o acúmulo de leite na mama; se a mãe não tem leite o bebê sofre com a fome.  Nenhuma interação social permanece sem coerção se não for mutuamente satisfatória.

       Qualquer forma de coerção é ruim. Os subprodutos desse tipo de controle são indesejáveis para o convívio sadio entre pessoas. Coerção sempre gera propensão para fuga do assunto, da pessoa, do lugar, etc., e esquiva de oportunidades futuras de situações coercitivas.

       Crianças são educadas de acordo com os padrões de uma cultura. Adquirem repertórios mantidos por contingências sociais por meio de interações com a mãe, cuidadores, família, e agências controladoras como a escola e a igreja.  É um processo longo que normalmente respeita o desenvolvimento biológico da criança. O controle pode ser tão sutil a ponto de não ser facilmente percebido. O estresse associado a cada nova aprendizagem modelada por contingências sociais se dilui ao longo de anos ou décadas. O caráter aversivo do controle por consequências se torna parte da vida.

       Um exemplo extremo da sutileza do controle social de hábitos e costumes é relatado por Elias (1939/1994), a propósito do casamento de um doge de Veneza com uma princesa grega. A princesa usava um pequeno garfo de ouro com dois dentes para comer, para escândalo dos venezianos, que comiam com as mãos. Foi severamente repreendida pelas autoridades, que invocaram a ira divina.



O grupo exerce um controle ético sobre cada um de seus membros através, principalmente, de seu poder de reforçar ou punir.” ... “Talvez o mais óbvio tipo de agência empenhada no controle do comportamento humano seja o governo. Os estudos tradicionais de ciência política lidam com a história e as propriedades dos governos, com vários tipos de estrutura governamental, e com as teorias e princípios que têm sido oferecidos para justificar as práticas governamentais. ... Temos que examinar o comportamento resultante no governado e o efeito desse comportamento que explica porque a agência continua a controlar.”  (Skinner, 1953/2003, Cap. XXII).





BIBLIOGRAFIA

Elias, N. (1939/1994). O processo civilizador. Volume1, A história dos costumes. Tradução de R. Jungmann. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.

Skinner, B. F. (1953/2003). Ciência e comportamento humano. Tradução de J. C. Todorov e R. Azzi. São Paulo: Martins Fontes.