segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

O governo como agência de controle (no sentido skinneriano).


                O conjunto de relações condicionais que regulam as interações comportamentais em uma sociedade caracteriza sua cultura. Essas relações condicionais podem abarcar a sociedade como um todo ou partes da sociedade, e são elas mesmas reguladas por agências de controle, especializadas por tipo de interação ou por vários outros critérios de desempenho:

1.       A família é a agência encarregada dos relacionamentos pais/filhos, e atua primariamente na construção de repertórios dos jovens que garantam sua inserção na sociedade quando adultos.

2.       A escola continua o trabalho de socialização iniciada pela família e deve preparar os jovens para o trabalho e para o convívio harmonioso na sociedade.

3.       Os grupos de amigos também funcionam como agências de controle, comunidades verbais selecionadoras de práticas culturais.

4.       A religião contribui para a estabilidade das relações comportamentais principalmente pelo uso do comportamento verbal, palavras que adquirem o poder de reforçar ou punir comportamentos pelo emparelhamento com promessas baseadas em fé.

5.       Os processos psicoterápicos são necessários, e funcionam como agências de controle, sempre que os controles exercidos por outras agências são excessivos ou inconsistentes (Skinner, 1953, cap. XXIV).

6.       Governos são as maiores agências de controle em todas as sociedades, com o papel de regular a ação de todas as outras agências, da maneira como os pais tratam os filhos,  o que deve ser ensinado nas escolas, e até onde pode ir o controle exercido pelas igrejas e como deve atuar o profissional psicoterapeuta.



A origem do poder de reforçar e punir.



Práticas culturais são mantidas por contingências sociais que prevalecem em um determinado grupo, sociedade ou organização. Adquirimos comportamentos que serão mantidos por contingências sociais por meio de interações que envolvem agências controladoras, como a família, por exemplo. É um processo tão longo e tão suave que o controle por consequências não é facilmente percebido.

       Você não escolheu nascer, mas mesmo assim é premiado pela escolha: a espécie humana te dá um repertório inicial. Sugar o seio materno é o primeiro exemplo de comportamento reflexo que se transforma em operante. É também um primeiro exemplo de interação mantida por benefício mútuo. Se o bebê não suga, a mãe sofre com o acúmulo de leite na mama; se a mãe não tem leite o bebê sofre com a fome.  Nenhuma interação social permanece sem coerção se não for mutuamente satisfatória.

       Qualquer forma de coerção é ruim. Os subprodutos desse tipo de controle são indesejáveis para o convívio sadio entre pessoas. Coerção sempre gera propensão para fuga do assunto, da pessoa, do lugar, etc., e esquiva de oportunidades futuras de situações coercitivas.

       Crianças são educadas de acordo com os padrões de uma cultura. Adquirem repertórios mantidos por contingências sociais por meio de interações com a mãe, cuidadores, família, e agências controladoras como a escola e a igreja.  É um processo longo que normalmente respeita o desenvolvimento biológico da criança. O controle pode ser tão sutil a ponto de não ser facilmente percebido. O estresse associado a cada nova aprendizagem modelada por contingências sociais se dilui ao longo de anos ou décadas. O caráter aversivo do controle por consequências se torna parte da vida.

       Um exemplo extremo da sutileza do controle social de hábitos e costumes é relatado por Elias (1939/1994), a propósito do casamento de um doge de Veneza com uma princesa grega. A princesa usava um pequeno garfo de ouro com dois dentes para comer, para escândalo dos venezianos, que comiam com as mãos. Foi severamente repreendida pelas autoridades, que invocaram a ira divina.



O grupo exerce um controle ético sobre cada um de seus membros através, principalmente, de seu poder de reforçar ou punir.” ... “Talvez o mais óbvio tipo de agência empenhada no controle do comportamento humano seja o governo. Os estudos tradicionais de ciência política lidam com a história e as propriedades dos governos, com vários tipos de estrutura governamental, e com as teorias e princípios que têm sido oferecidos para justificar as práticas governamentais. ... Temos que examinar o comportamento resultante no governado e o efeito desse comportamento que explica porque a agência continua a controlar.”  (Skinner, 1953/2003, Cap. XXII).





BIBLIOGRAFIA

Elias, N. (1939/1994). O processo civilizador. Volume1, A história dos costumes. Tradução de R. Jungmann. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.

Skinner, B. F. (1953/2003). Ciência e comportamento humano. Tradução de J. C. Todorov e R. Azzi. São Paulo: Martins Fontes.