domingo, 18 de fevereiro de 2018

Seleção cultural e seleção de culturas.



                Em uma visão skinneriana do behaviorismo qualquer comportamento humano resulta sempre de três níveis de seleção por consequências: a pessoa existe como resultado de seleção de genes na história de espécie humana (seleção filogenética), é socializada para a vida em grupo segundo um conjunto de regras selecionadas na história da cultura do grupo (seleção cultural), e adquire seu repertório por meio das interações com seu meio ambiente ao longo da vida (seleção ontogenética). Logo, o que é selecionado no nível cultural não é um determinado comportamento: a história daquele grupo selecionou as regras (contingências ou relações condicionais) a serem usadas pelas agências de controle para a modelagem e manutenção de comportamentos.

                Dizemos que certos comportamentos são práticas culturais quando são frequentes e comuns a várias pessoas e/ou perduram por gerações. São práticas culturais, mas pertencem ao segundo nível de seleção, ontogenética ou comportamental. São comportamentos específicos que dependem das consequências contingentes à sua específica emissão. A regra para reforçar ou não é geral, cultural, mas a consequência é particular, depende do comportamento da referida pessoa.


Seleção cultural ou seleção de culturas?

                Seleção cultural envolve comportamento de pessoas; seleção de culturas é a seleção das regras (contingências ou relações condicionais) que orientam a ação das agências de controle. Não deveriam ser usados como sinônimo.

Seleção cultural se refere à seleção de comportamentos de acordo com regras vigentes no grupo. Em nossa cultura a criança pode ser elogiada por lavar as mãos antes de sentar-se à mesa ou pode ser proibida de comer enquanto não for lavar as mãos, por exemplo. Há mil anos não só não havia o hábito de lavar as mãos antes das refeições; comia-se levando os alimentos à boca com as mãos.

Mudanças no ambiente costumam ser responsáveis por alterações nas regras que caracterizam uma cultura. Comer com talheres foi um hábito que chegou à Europa por Veneza, vindo da Grécia, mas levou séculos para ser adotado em todos os países. Lavar as mãos levou mais tempo para ser adotado, só muito depois da comprovação científica da transmissão de doenças por contato físico. Atualmente o hábito pode estar se perdendo. Em grandes cidades cada vez mais pessoas comem nas ruas, nos food trucks, ou em praças de alimentação do shopping, sem pia para lavar as mãos a menos de cinquenta metros. Já imaginaram todas as crianças em filas no único banheiro do andar naquele shopping, esperando para lavar as mãos?

                Mudanças na cultura, portanto, podem ser causadas por mudanças em práticas culturais de pessoas. O jogo Tragédia dos Comuns1 ilustra as possibilidades de mudanças nas regras seguidas pela agência de controle causadas pelo comportamento das pessoas que competem por um bem comum. Considere um pasto comunitário, usado por agricultores que aí colocam suas reses para pastar. Quantas cabeças colocar, tanto seu lucro. Se cada agricultor aumentar seu rebanho indefinidamente, o pasto acabará, não haverá condição de renovação permanente que a pecuária exige. Não há “mão invisível do mercado” que resolva isso. É do interesse de todos que alguma agência de controle, aceita por todos, regulamente o uso do pasto comum. Elinor Ostrom2 tem um excelente trabalho com dados sobre a evolução das agências de controle.


Elinor Ostrom, Governing the Commons: The Evolution of Institutions for Collective Action, 32 Nat. Resources J. 415 (1992). Available at: http://digitalrepository.unm.edu/nrj/vol32/iss2/6.





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